Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

O JOGADOR INVENTA E O TREINADOR INOVA


Se aprendi algo é porque gosto de observar

Você já deve ter ouvido que, o jogo de futebol é o confronto de duas ideias de se praticar futebol. Também ouvimos quase que diariamente que, fulano (treinador) é retranqueiro já, sicrano (treinador) é ofensivo. Gostamos de rotular as coisas (equipes, treinadores, jogadores, etc.).

O jogo de futebol para ser didaticamente melhor compreendido é dividido (fragmentado) em quatro fases: Fase Ofensiva; Transição Defensiva; Fase Defensiva e Transição Ofensiva. Porém, já é de conhecimento de todos os leitores que acompanham os conteúdos aqui publicados, preferimos tratar o jogo de futebol como um jogo de fluxo (de forma integral e dinâmica) entre espaço, tempo e interações.

Desta forma, pergunto, o conhecimento dos treinadores em futebol é tácito ou explícito?

Sobre esse tema já havia escrito dez anos atrás, segue o link para aqueles leitores que ficarem curiosos.


Sei que, hoje essa escola de treinadores já se atualizou/aperfeiçoou, que a CBF criou um glossário do futebol, mas o futebol é diferente do basquete nesse sentido. Pois no basquete, o conhecimento se origina na NBA e todos empregam a mesma terminologia, mas no futebol isso é totalmente diferente. Por diversas formas, sejam elas culturais, sociais, ideológicas, etc.

Juanma Lillo disse certa vez, "não é verdade que existem bons e maus treinadores. O que há são treinadores valentes e outros que não o são."

No Brasil, na minha opinião isso se encaixa muito bem nas equipes treinadas por Fernando Diniz e Eduardo Barros. Ontem, tivemos mais um capítulo de semifinal da Copa Libertadores onde essa valentia aflorou novamente (não estou falando apenas pelo resultado), onde a busca pelo jogo com base nos passes (os passes conectam, o chutão afasta) e progressão em campo (que é a marca dessa dupla) se manteve durante toda a disputa da semifinal. Logicamente que, nas categorias de base também temos inúmeros exemplos de treinadores valentes (alguns irão dizer, claro na base não tem tanta pressão de jogar assim), onde o "devolver o jogo ao jogador" é melhor forma de desfrutar do caminho. 

Assim, o jogador inventa e o treinador inova (reutiliza recursos em novas situações). Com coragem e valentia é muito melhor!

O jogo imita a vida, e como disse Azkargorta joga-se como vive-se.

Boa semana!

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

ATAQUE FUNCIONAL



No futebol existem várias formas de jogar. E isso, não é novidade para mais ninguém. O que pode parecer novidade (mesmo que para poucas pessoas) é que o Brasil possui uma forma de atacar muito peculiar e antagônica ao Jogo de Posição e/ou Localização.

Neste tipo de ataque os jogadores buscam mais interações, mais movimentações (trocas de posições) e agrupar-se ao redor da bola. Esse formato de jogar se mostrou melhor para o jeito brasileiro de jogar, baseado em atrair até a bola, indicar uma coisa e realizar outra (enganar). Aqui o centro do jogo se torna ainda mais importante.
 
O maior expoente deste tipo de jogo foi a Seleção Brasileira de 1970, com uma estratégia bem definida e "aposicional". Se você leitor clicar no link abaixo da foto, assistirá ao gol de Carlos Alberto Torres contra a Itália na final da Copa do Mundo de 1970. No lado esquerdo do campo se concentram sete jogadores, Everaldo, Piazza, Clodoaldo (que dribla e engana vários adversários), Gerson, Rivelino, Jairzinho e Tostão. Com Pelé ao centro, para organizar o fluxo de tudo isto. Quando a equipe da Itália é desequilibrada para o lado forte (onde está a bola, o atrator) do Brasil, a bola chega até Pelé, que já sabe que Carlos Alberto passará livre pela direita lado fraco para concluir em gol.  Para quem olha sem muita atenção, parece uma forma de jogar "desorganizada", mas, não se engane, é uma estratégia prática, "aposicional" para desequilibrar o adversário com mobilidade, compensação e muitas estratégias "aposicionais" para criar vantagens no campo, atrair e ludibriar os adversários.

Tite também utilizou uma forma parecida (porém mais evoluída) na Seleção Brasileira atual com uma saída sustentada (mais posicional) e maior liberdade quando a bola chega ao campo ofensivo.  

Nesta forma de jogar o que impera são as liberdades de movimentos (no momento que possui a bola) as assimetrias de sistema no campo de jogo e as características dos jogadores se sobrepõem ao sistema e o tempo sobre o espaço. Também não podemos negar que existem princípios muito parecidos ao do jogo de posição: 

  • Passes curtos e precisos;
  • Posicionamento dos jogadores (subir todos juntos e próximos da bola).
Outro fator que aproxima as duas formas de jogar é o fato de "Dividir para Conquistar", que consiste em atrair para uma determinada área do campo dividindo as forças defensivas da equipe adversária, tornando-a mais frágil. Sendo o futebol considerado por alguns autores como um sistema complexo e não-linear, o que queremos dizer com isso, que existe uma grande imprevisibilidade em suas ações e interações entre os elementos em cooperação (jogadores da mesma equipe) e adversários. Os jogadores e a equipe tentam criar problemas para o adversário solucionar e consequentemente trabalham visando solucionar os problemas criados pelos adversários. Destarte, trazendo incertezas para as ações do adversário e certezas/confiança para as ações dos companheiros. Isso nos leva ao conceito de Entropia, que está associado ao grau de desordem do sistema. Mas, isso é assunto para uma próxima postagem. 

Boa semana!

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

JOGO DE POSIÇÃO OU JOGO DE LOCALIZAÇÃO?

 O futebol é cada vez mais um xadrez; e no xadrez, se você perde a concentração por um segundo, está morto.

Sir Alex Ferguson          

 O jogo de futebol é sobre espaço, tempo e interações.

No começo só havia o caos, e o futebol não tinha forma. Mas, desde os primórdios existia a noção que a organização dos jogadores no espaço de jogo fazia uma grande diferença. Jonathan Wilson em seu livro "A Pirâmide Invertida" nos traz muitos exemplos. O mais marcante para mim, o relato do primeiro jogo entre seleções, disputado por Inglaterra e Escócia. Onde os escoceses utilizaram a forma de unidade (fizeram uso da valorização do passe). E isso, é a gênese do jogo de posição. 

Martí Perarnau em sua obra "Pep Guardiola: a evolução", relata que em 1952 Ivan Sharpe já utilizava o termo "jogo de posição". Novamente, jamais fomos modernos!

Numa definição "rasa" o jogo de posição é identificado quando os jogadores ocupam posições específicas no campo de jogo, para tentar criar superioridades (numéricas, qualitativa, posicional e cinética), através de passes e com a criação de formas geométricas (triângulos e losangos), com o intuito de progredir com a bola em direção ao gol adversário.  

Recentemente estive observando os treinamentos das categorias de base do Club Athletico Paranaense e, em conversas com Rodrigo Chipp (Rodrigo Vicenzi Casarin) conversamos sobre esse assunto. Esse termo (jogo de localização) cunhado por Juan Manuel Lillo (popularmente conhecido por Juanma Lillo) atual auxiliar de Pep Guardiola no Manchester City e reconhecido mundialmente por se encarregar do tratamento intelectual, didático e prático do jogo de posição, propôs essa nova nomenclatura. 

Perguntas de Juanma Lillo escancaram essa discussão: pode-se estar bem posicionado e mal situado? Ou ao contrário, bem situado e mal posicionado? Claro que sim. Se buscarmos auxílio do dicionário veremos que, a palavra posição é sinônimo de postura. E o termo situação vem de sítio ou lugar. Destarte, o jogador pode ter uma postura (posição) ideal, mas em um lugar inadequado. Ou num lugar ideal, mas uma postura inadequada. Segundo Lillo, por esta razão, posição e situação não definem com precisão esse modelo de jogo. A palavra que relaciona esses dois termos com uma intencionalidade tática é localização. 

Para muitos pode parecer apenas uma variante acadêmica, mas não. Como Rodrigo Chipp relata, não se trata apenas de uma suposta superioridade numérica em alguma região do campo, ou seja, não se trata de posicionar por posicionar, da mesma forma não se trata de passar a bola por passar, de movimentar por movimentar, trata-se de estar bem posicionado, no tempo certo, no espaço certo e na hora oportuna. É dar sentido para todos os movimentos sem mecanizar. Ou seja, devolver o jogo de futebol aos jogadores que vão interagir com os companheiros e os adversários. Mas, para isto, devemos utilizar de alguns conceitos:

  1. Simetria de Sistema (ou seja, não haver mais jogadores de um lado do que de outro), mas com assimetrias verticais e horizontais para criar rotas de passe;
  2. Amplitude, pois o campo precisa ser aberto para criar espaços e definir por dentro;
  3. Profundidade, para buscar a ruptura decisiva por trás da última linha defensiva;
  4. Desmarques de apoio para para ir garantindo que a equipe siga avançando no campo de jogo com passes curtos e com jogadores recebendo por trás de cada linha defensiva ou do defensor que o marca individualmente;
  5. Posse de bola para desequilibrar o adversário;
  6. Vício por superioridades; e
  7. Pressão pós perda (Counter-pressing) quando perder a bola. 

O jogo de futebol é um jogo de localização, de percepção de distâncias (próximo/intermédio/longe) que estamos dos nossos companheiros/adversários e alvos/objetivos e de interação com os companheiros e adversários.

Você concorda/discorda leitor?

Boa semana!

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

RONDO: REDUZIR SEM EMPOBRECER


A bola vai às posições, e não as posições vão até a bola. 
Juanma Lillo

Jamais fomos modernos! Essa frase se encaixa muito bem no tema de hoje. O rondo se origina do nosso tão utilizado "bobinho", que nada mais é, que uma prática deliberada do "caos", brincadeira de bola com os pés. São brincadeiras que surgiram na rua (pedagogia da "rua") e foram adaptadas na pedagogia do esporte.  Desta forma, o rondo nada mais é do que um neologismo no futebol. O que é normal com o avanço das ciências no esporte, principalmente no futebol e na sociedade atual de forma geral.

Porém, qual é a definição de rondo? O que os rondos desenvolvem nos jogadores/equipe? Sem essas respostas corremos o risco de cair no verbalismo.

O rondo é uma tarefa de treinamento onde um grupo em superioridade numérica tenta manter a posse da bola contra um grupo em inferioridade numérica. Os formatos podem ser, circulares, retangulares, hexagonais, entre outros. Os jogadores tem locais predeterminados ao invés de se moverem pelo campo de jogo. O que podem levar aos jogadores ocuparem espaços de certa maneira relacionadas a situações reais de jogo. Já, alguns formatos/variações de rondo envolvem movimentos fora do seu típico espaço de jogo.

Os rondos desenvolvem nos jogadores/equipe as tomadas de decisão; técnica mobilidade e agilidade; trabalho em equipe e entendimento coletivo; resolução de problemas, criatividade e competitividade.

Não é mais novidade que o jogo possui uma "integridade inquebrável", destarte, busca-se formas de treinar que respeitem esse processo de jogo, conseguindo um "reduzir sem empobrecer", que nos levará a um simplificação pretendida. E o rondo se encaixa nessa questão.

A relevância prática disto pode ser entendida pela presença do jogo dentro do processo de treinamento em futebol (Rondo). E isto, ocorrerá por uma redução sem empobrecimento do jogo formal enquanto objetos fractais do mesmo (MACIEL, 2011). Pois, o jogo de futebol pode ser entendido como um sistema caótico com organização fractal. No meio do caos aparente é possível sustentar regularidades organizacionais, isto é, modelar e padronizar uma dada forma de jogar (OLIVEIRA et al., 2007). Brito (2003) afirma que, dentro de um modelo de jogo, existem vários princípios para serem trabalhados durante os treinos. O referido autor relata que, os princípios de jogo são linhas orientadoras básicas que coordenam as atitudes e comportamentos táticos dos jogadores quer no momento ofensivo, quer no momento defensivo, bem como nas suas transições. Como bem relata Maciel apud Tamarit (2013), é graças à redução sem empobrecimento que se asseguram as dominâncias desejadas para cada uma das unidades de treinamento. Uma redução que sendo qualitativa, uma vez que se reporta a complexidade de um jogar, também é quantitativa, já que a configuração dos exercícios (Rondo) de treinamento e o modo como o jogar é vivenciado (sem perda de Especificidade), requer que o treinador manipule e articule com parcimônia as seguintes variáveis: espaço, número de jogadores e tempo. Ou seja, reduzir sem empobrecer é sustentar essa redução na articulação de sentido com o todo. Corroborando com os autores, podemos entender um fractal como uma parte regular de um sistema caótico que, pela sua estrutura e funcionalidade, consegue representar o todo, independentemente da escala considerada. Se estilhaçarmos um sistema caótico em subsistemas, podemos neles encontrar, qualquer que seja a escala, uma auto-semelhança com o todo. Desta forma, os autores defendem ser possível emprestar uma organização fractal a todo o processo de treinamento, para obter uma auto-semelhança, tanto ao nível dos padrões de comportamento como da produção do processo, nas suas diferentes escalas de manifestação (SOARES, 2009).

Devemos impor uma inversão no binômio Volume - Intensidade, a Intensidade deve ser quem dita o ritmo das sessões de treinamento. O Volume, é o somatório de frações de máxima intensidade (Volume de Qualidade). A recuperação aqui faz parte integrante do treino. Recuperar entre os exercícios (jogos) e unidades de treino. Para que os jogadores estejam aptos a exercitar frações máximas de intensidade de acordo com a forma de jogar da equipe.  
 
Não há nada como ver a equipe que treinamos jogar bem. Vencer é importante, claro. Mas jogando bem é melhor ainda, utilizando habilidades técnicas, comportamentos táticos, intensidade física e aspectos psicológicos utilizados nos treinamentos. O rondo conquistou os profissionais do futebol. Como muitas tendências de sucesso, eles encontraram o seu lugar, e os treinadores com visão de futuro incorporaram os princípios por trás deles (frações de máximas intensidades) e os levaram para um nível mais elevado.  

O mais importante no futebol é perceber o futebol.

Boa semana!

Referências

BRITO, J. Documento de apoio à disciplina de Opção II – Futebol, UTAD, Vila Real. Não Publicado, 2003.

MACIEL, J. Não o deixes matar o bom futebol e quem o joga. Pelo Futebol Adentro não é perda de tempo! Portugal: Chiado, 2011.

OLIVEIRA, B. F. M. et al. Mourinho: por qué tantas victorias? Espanha: MCSports, 2007.

SOARES, P. Transições: uma instantaneidade suportada pelo “equilíbrio” ...a representatividade da fluidez que o “jogar” deve manifestar. Monografia de Licenciatura. Não Publicado. Porto: 2009.

TAMARIT, X. Periodización Táctica vs Periodización Táctica. Espanha: MBF, 2013.
 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

JOGOS FRACTAIS E ESPAÇOS DE FASE

Foto 1: Saída de jogo

O futebol vem passando por transformações na sua maneira de pensar e agir na forma de treinamento ao longo dos anos. Na minha opinião as duas pessoas que se sobressaíram foram, Vítor Frade (Periodização Tática) e Paco Seirul-lo (Espaços de Fase). 

Na postagem de hoje iremos tratar dos Jogos Fractais e os Espaços de Fase. Segundo Peraita (2021),
 "a perspectiva tática tradicional, na sua intenção de fracionar o jogo em partes para poder estudá-lo, propõe um divisão em 5 momentos ..." 

O autor prossegue relatando que, a perspectiva de Espaços de Fase (EdF), resiste em fracionar o jogo em momentos e esclarece que existe apenas um único momento, que é o jogo! Resulta evidente que esse momento único do jogo é uma sucessão de EdF que ocorrem entre duas descontinuações do jogo: tomar um gol e fazer um gol.

Fig. 1: Ciclo do Jogo (adaptado de Peraita, 2021).

Essa teoria propõe considerar o jogo como um ciclo que se inicia e reinicia constantemente (se alimenta) sem  necessidade  de  passar  por  receber  um  gol  para  poder  fazer  outro,  onde  o momento com a bola e sem a bola acontecem em um fluxo de EdF. 

Apesar de as partidas de futebol integrarem várias transições de fase, entre estados de equilíbrio e quebras de equilíbrio organizacional, as fases e momentos de jogo (ataque, defesa e suas transições) obedecem, por vezes, a um processo de mudança gradual cuja separação não é levada a cabo por linhas de demarcação súbita ou bruscas, mas por se dissiparem ou diluírem uns nos outros (GARGANTA, 2013 apud TEOLDO, et al. 2015). 

Na citação acima percebemos que, outros teóricos do futebol já haviam abordado essa perspectiva, porém um tanto quanto academicamente. Relatando sobre Teoria do Caos, Sistemas Dinâmicos de Alta Complexidade. Baseado nisso que trazemos a abordagem dos Jogos Fractais. Segundo Stacey (1995) um fractal é uma parte invariante ou regular de um sistema caótico que pela sua estrutura e funcionalidade consegue representar o todo, independente da escala onde possa ser encontrado. Os fractais são representativos do todo, pois têm uma constituição "genética" semelhante ao todo onde foi observado (GUILHERME OLIVEIRA, 2004 apud CAMPOS, 2008). 

Os Jogos Fractais podem ser mais bem compreendidos dentro do processo de treinamento de futebol, fazendo uma analogia bem simples. Quando uma fotografia é feita de uma partida de futebol quantos jogadores aparecem na mesma? 

Foto 2: Representação de um Jogo Fractal 

Aparecerão quantos jogadores forem responsáveis pelo setor onde a fotografia foi tirada. No caso da foto 2, temos uma saída de bola onde claramente aparecem a dupla de zaga, o lateral direito, o volante e os dois meias (em amarelo), contra um trio de adversários (em vermelho). Ficou nítida uma superioridade numérica da defesa interagindo com o meio sobre o ataque adversário, neste setor do campo de jogo, em forma geométrica de triângulo. O triângulo em preto, formado pelo zagueiro do lado direito, lateral direito e volante contra um adversário nos remete a um jogo fractal em pequeno grupo (3 VS 1); e os outros triângulos formados por linhas tracejadas em azul formam outras possibilidades dos padrões de comportamento da equipe. E isso é um fractal que está representando o todo. O micro representa o macro. Essa é uma justificativa para execução desse tipo de Jogo Fractal no processo de treinamento, pois os jogadores deverão entender os objetivos e as finalidades dos exercícios (Jogos Fractais) dentro do jogo todo. Para isso será fundamental o conhecimento global do jogo por parte dos jogadores, isso em substituição do jogo reduzido, que na sua grande maioria ocorre sem objetivos bem definidos.    

A relevância prática disto pode ser entendida pela presença do jogo dentro do processo de treinamento em futebol (Jogo Fractal). E isto, ocorrerá por uma redução sem empobrecimento o jogo formal enquanto objetos fractais do mesmo (MACIEL, 2011). Pois, o jogo de futebol pode e deve ser entendido como um sistema caótico com organização fractal. 

Para voltar aos Espaços de Fase, precisamos voltar na figura 1, onde a imagem representa o jogo por meio de um modelo onde se poderia diferenciar entre o momento com a bola e o momento sem a bola.  Segundo Peraita (2021), é muito difícil desassociar esses dois momentos, resulta de identificar as fases do jogo que vão contextualizar os EdF.

Fig. 2: As três fases com a bola

De acordo com essa perspectiva de treinamento, na fase de iniciação a equipe dispõe da bola em um EdF, onde conta com a oposição de pelo menos uma estrutura de recuperação ativa que pretende recuperar a bola com urgência (em coordenação com uma estrutura de contenção e outra de proteção da zona de finalização). Na fase de disposição posicional a equipe dispõe da bola em um EdF onde não há oponentes, tentando recuperar a posse de bola com urgência, mas existem alguns jogadores impedindo o avanço. A fase de finalização a equipe dispõe da bola em um EdF onde os oponentes só pretendem evitar que a equipe com bola finalize em gol. 


No Jogo Fractal acima, propomos um 3 VS 2 + Goleiro onde as três fases com a bola estão bem definidas. Três atacantes jogam contra dois defensores + o goleiro na primeira baliza e tem que finalizar antes do sexto passe. Nas laterais, direita e esquerda, encontram-se dois laterais e/ou extremas em posse de bola, após a finalização na primeira baliza, os três atacantes juntamente com os dois defensores se deslocam para a segunda baliza para receber o cruzamento rápido e rasteiro proveniente de uma das laterais para realizar o arremate a baliza. Essa tarefa visa o princípio tático da mobilidade. Segundo Teoldo, et al. (2015), as ações buscando a linha de meta (popular linha de fundo) são denominadas por ações de mobilidade divergente. Para nós essa movimentação é chamada de "caminho do gol". 

Tradicionalmente ouvimos que, o ataque ao último "terço do campo" era uma questão de improvisação e qualidade dos jogadores. Isso é verdade (como em qualquer outra fase do jogo), mas, podemos exercitar possibilidades coletivas para gerar desequilíbrios no oponente, que maximizem as probabilidades de marcar o gol. 

O processo de treinamento em futebol não deve estar distante das propostas de aprendizagem de qualquer área, educação por exemplo. Pois um destino sem uma rota leva a perambulações e ineficiência. Uma rota sem um destino, no entanto, pode ser eficiente, mas com que finalidade? É muito bom treinar, mas é melhor saber o por que estou treinando.

Boa semana!

Referências 

CAMPOS, C. A justificação da Periodização Táctica como uma fenomenotécnica: a singularidade da intervenção do treinador como sua impressão digital. Espanha: MCSports, 2008.

MACIEL, J. Não o deixes matar o bom futebol e quem o joga. Pelo Futebol Adentro não é perda de tempo! Portugal: Chiado, 2011.

PERAITA, A. S. Espaços de Fase: como Paco Serial-lo mudou a tática para sempre. Porto Alegre: Simplíssimo, 2021.

TEOLDO, I. et al. Para um bom futebol jogado com ideias: Concepção, treinamento e avaliação do desempenho tático de jogadores e equipes. Curitiba: Appris, 2015.
 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

LIMITES DO EXERCÍCIO NO CALOR

 


Começou a vigésima segunda Copa do Mundo FIFA 2022. Desta vez ela será disputada pela primeira vez no Oriente Média. Onde o clima é predominantemente árido e semiárido, localizam-se nessa área grandes desertos. Em novembro no país a temperatura média será em torno dos 27º C e 30º C.

Na biologia, diferencia-se, no que diz respeito à temperatura corporal, entre os animais de sangue quente (homotérmicos) e os de sangue frio (pecilotérmicos). Os homotérmicos possuem uma temperatura corporal relativamente independente das temperaturas do meio ambiente. 

Durante situações de sobrecarga, por exemplo, em temperaturas altas e/ou durante atividades físicas, ocorre no corpo um aumento da produção de calor, que é compensado principalmente pelo mecanismo de perda de calor da evaporação ou pela vasodilatação periférica (WEINECK, 2005).

É inegável que o exercício aumenta as demandas no sistema cardiovascular. Somando-se a isso a necessidade de regular a temperatura corporal durante o exercício no calor, o sistema cardiovascular pode ficar sobrecarregado. Nesse cenário, o sistema cardiovascular precisa continuar levando o sangue não apenas até os músculos que estão trabalhando, mas também até a pele, de onde o calor gerado nos músculos pode ser transferido para o ambiente (KENNEY, WILMORE & COSTILL, 2013).

Em temperaturas extremamente altas e/ou durante o exercício físico esportivo, observa-se perdas de fluido, por meio da sudorese, principalmente à custa do plasma. Por isso, quando há um alto déficit de líquido, não ocorre apenas uma crescente limitação da capacidade termorregulatória, cada vez há menos água disponível para fins de evaporação, mas também ocorrem alterações no metabolismo e nas reservas de água e eletrólitos, o que acarreta uma progressiva limitação da capacidade de desempenho físico/desportivo (WEINECK, 2005).

Segundo o portal da CNN Brasil, 73,76% dos jogadores convocados para atuarem na Copa do Catar atuam na Europa (Mais de 70% dos atletas convocados para a Copa de 2022 jogam na Europa (cnnbrasil.com.br). Isso nos mostra que, a grande maioria dos atletas pratica o futebol em temperaturas muito menores do que em Doha na sua grande maioria do tempo. 

Enquanto está realizando um exercício intenso (como uma partida da Copa do Mundo) em condições quentes, o corpo pode perder mais de 1 L/h/m² de superfície corporal. Isso significa que, durante um esforço intenso em um dia quente e úmido (nível elevado de estresse térmico), um indivíduo de tamanho corporal médio (50 a 75 Kg) pode perder, por hora, cerca de 1,6 a 2,0 L de suor, ou 2,5 a 3,2% do peso corporal. A produção prolongada de um grande volume de suor diminui o volume sanguíneo. Isso limita o volume de sangue que retorna ao coração, aumentando a frequência cardíaca e diminuindo o débito cardíaco, o que, por sua vez, diminui o potencial de desempenho, particularmente no caso de resistência (KENNEY, WILMORE & COSTILL, 2013).

Foto 1: Jogadores da Inglaterra se refrescando em ventiladores. 
Fonte: Twitter

Dentre as limitações que podem acontecer com o exercício no calor estão:
  • Cãibras pelo calor;
  • Exaustão pelo calor.
O melhor e mais simples método para a reposição completa das perdas de água determinadas pela sudorese é a determinação de quantidade necessária de líquido correspondente à perda de peso corporal (aferição do peso corporal antes da partida, intervalo e ao término da partida). Também devem ser orientados e incentivados a evitar a perda de peso excessiva (>2%); ou seja, devem repor suas perdas de suor ou prevenir a desidratação, mas não devem consumir líquidos em excesso, a ponto de ganhar peso durante a competição. 

Boa semana!

Referências

WEINECK, Jürgen. Biologia do esporte. Barueri, SP: Manole, 2005.

KENNEY, L.; WILMORE, D; COSTILL, D. Fisiologia do esporte e do exercício. 5 ed. Barueri, SP: Manole, 2013.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O PERÍODO DE TRANSIÇÃO NO FUTEBOL (OFF-SEASON)



Ontem tivemos a última rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol. Hoje todos os clubes estão oficialmente em férias. Esse período que compreende o final da temporada e o início da próxima pré-temporada (pre-season) do ano seguinte, é denominado período de transição (off-season), segundo a teoria e metodologia do treinamento desportivo. 

Esse período é amparado pela Lei 6.354/76 no seu artigo 25 que diz:

Art. 25. O atleta terá direito a um período de férias anuais remuneradas de trinta (30) dias, que coincidirá com o recesso obrigatório das atividades de futebol. 

Parágrafo único. Durante os dez (10) dias seguintes aos recesso é proibida a participação do atleta em qualquer competição com ingressos pagos.

Entre as tarefas básicas do período de transição, estão o descanso completo para recuperação do potencial gasto durante as cargas de treinamento e das competições do ano anterior e a manutenção de um nível de preparo que garanta desempenho ótimo do futebolista no macrociclo seguinte. Atenção especial deve ser dada à completa recuperação física e, principalmente psicológica (PLATONOV, 2008).

A literatura expõem que a duração do período de transição oscila, geralmente, de três (3) a quatro (4) até seis (6) a oito (8) semanas e depende do calendário de cada equipe (PLATONOV, 2008). No Brasil costumam perdurar entre quatro (4) e cinco (5) semanas. 

É do conhecimento de todos que, os atletas de futebol chegam ao final da temporada bem cansados (sendo o Brasil um país com dimensões continentais isso contribui e muito), mas, por outro lado, também é do conhecimento de quem exerce alguma função no futebol e meio acadêmico/científico que, longos períodos sem treinamentos acarretam perdas aptidão física dos jogadores. O conhecido Princípio do Reversibilidade.

No princípio da desadaptação, ao que parece pode existir uma relação proporcional entre o período de tempo de interrupção dos treinos e a real perda dos ajustes fisiológicos adquiridos anteriormente (BOMPA, 2002). 

Os autores citados acima reportam declínios em algumas variáveis fisiológicas dos futebolistas:
  • VO2máx;
  • Velocidade Linear (sprint);
  • Velocidade com Mudança de Direção (CoD);
  • Queda da Potência Muscular. 
Isso indica que, as capacidades de resistência, força e velocidade são afetadas diretamente. 

Em contrapartida, outras evidências (experiência prática) nos mostram que durante o período de transição essa queda de desempenho não é tão acentuada assim.

Mas, como o nome sugere esse é um período de férias, não podemos exigir que os jogadores pratiquem atividades de alta intensidade durante esse período, porém, existem responsabilidades a serem cumpridas. Uma grande indulgência consigo em relação ao álcool é prejudicial ainda que durante o período de transição. O regime atlético correto também envolve uma dieta adequada. O ganho de peso maior que dois (2) a quatro (4) quilos é indesejado (BOMPA, 2002). 

Na prática, são utilizados modelos diferentes para esse período de transição. O que sugerimos é uma combinação de métodos de descanso ativos com passivo, com cargas não-específicas, que permitem garantir a manutenção dos componentes básicos do preparo. Com duração entre 50 e 60 minutos, com prática de ciclismo e/ou natação, força funcional (com o próprio peso corporal e/ou alguns equipamentos como elásticos, kettlebell, etc. e exercícios de mobilidade/flexibilidade). 

O ideal será elaborar um programa baseado em uma análise criteriosa, levando em conta dados  como: idade do jogador; tempo de prática na modalidade, histórico de lesão, funções táticas, entre outros) e que evitemos o overtraining.

O principal objetivo é que aprendamos com base nos erros do passado e evitemos a repetição deles!

Boa semana!

Referências

PLATONOV, Vladimir N. Tratado geral de treinamento desportivo. São Paulo: Phorte, 2008.

BOMPA, Tudor O. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. São Paulo: Porte, 2002.

BRASIL, Diário Oficial da União - Lei Nº 6.354 Seção 1 - 3/9/1976, Página 11687 (Publicação Original) Coleção de Leis do Brasil - 1976, Página 25 Vol. 5 (Publicação Original).