Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

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quinta-feira, 5 de outubro de 2023

O JOGADOR INVENTA E O TREINADOR INOVA


Se aprendi algo é porque gosto de observar

Você já deve ter ouvido que, o jogo de futebol é o confronto de duas ideias de se praticar futebol. Também ouvimos quase que diariamente que, fulano (treinador) é retranqueiro já, sicrano (treinador) é ofensivo. Gostamos de rotular as coisas (equipes, treinadores, jogadores, etc.).

O jogo de futebol para ser didaticamente melhor compreendido é dividido (fragmentado) em quatro fases: Fase Ofensiva; Transição Defensiva; Fase Defensiva e Transição Ofensiva. Porém, já é de conhecimento de todos os leitores que acompanham os conteúdos aqui publicados, preferimos tratar o jogo de futebol como um jogo de fluxo (de forma integral e dinâmica) entre espaço, tempo e interações.

Desta forma, pergunto, o conhecimento dos treinadores em futebol é tácito ou explícito?

Sobre esse tema já havia escrito dez anos atrás, segue o link para aqueles leitores que ficarem curiosos.


Sei que, hoje essa escola de treinadores já se atualizou/aperfeiçoou, que a CBF criou um glossário do futebol, mas o futebol é diferente do basquete nesse sentido. Pois no basquete, o conhecimento se origina na NBA e todos empregam a mesma terminologia, mas no futebol isso é totalmente diferente. Por diversas formas, sejam elas culturais, sociais, ideológicas, etc.

Juanma Lillo disse certa vez, "não é verdade que existem bons e maus treinadores. O que há são treinadores valentes e outros que não o são."

No Brasil, na minha opinião isso se encaixa muito bem nas equipes treinadas por Fernando Diniz e Eduardo Barros. Ontem, tivemos mais um capítulo de semifinal da Copa Libertadores onde essa valentia aflorou novamente (não estou falando apenas pelo resultado), onde a busca pelo jogo com base nos passes (os passes conectam, o chutão afasta) e progressão em campo (que é a marca dessa dupla) se manteve durante toda a disputa da semifinal. Logicamente que, nas categorias de base também temos inúmeros exemplos de treinadores valentes (alguns irão dizer, claro na base não tem tanta pressão de jogar assim), onde o "devolver o jogo ao jogador" é melhor forma de desfrutar do caminho. 

Assim, o jogador inventa e o treinador inova (reutiliza recursos em novas situações). Com coragem e valentia é muito melhor!

O jogo imita a vida, e como disse Azkargorta joga-se como vive-se.

Boa semana!

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

DESACELARAÇÃO HORIZONTAL: VACINA CONTRA LESÕES?

 

Fig. 1: Desaceleração Horizontal

Qual deve ser o objetivo do treinamento? Na minha humilde opinião é promover o desenvolvimento atlético e a redução das lesões, a fim de melhorar o desempenho. Para isso, é preciso de uma abordagem integrada, que foque na pessoa por completo ao invés de componentes individuais. 

Nas últimas publicações tratamos do sprint e agora daremos sequência no aspecto da corrida tratando da desaceleração. 

A fase de desaceleração é uma etapa de transição, na qual o atleta tenta controlar a inércia (momentum) gerada na etapa de velocidade máxima (FALSONE apud LIEBENSON, 2017). Não há dúvida que, como uma expressão da potência e velocidade explosivas, a aceleração carrega algum risco de lesão em função de forças intensas aplicadas a tecidos moles, tecido conjuntivo e articulações. Porém, pode-se argumentar que mais lesões ocorrem durante a desaceleração (FALSONE, 2019). 

Muito tempo e dedicação foi empregado no estudo das atividades de alta de intensidade (sprint). Um grupo de pesquisadores traz à tona outra ação locomotora de alta intensidade, que talvez receba menos atenção: a desaceleração (McBURNIE, et al., 2022). Embora seja um termo genérico para descrever um processo realizado em muitas tarefas atléticas, desaceleração (ou seja, aceleração negativa) no contexto desta discussão refere-se à ação realizada durante cenários esportivos que antecede uma mudança de direção (CoD), ou uma ação realizada imediatamente após um sprint para reduzir a velocidade (McBURNIE, et al., 2022).

No futebol desacelerações de alta intensidade (> -2,5 m/s2) são executadas com mais frequência do que acelerações equivalentemente intensas durante partidas oficiais. Fundamentalmente, desacelerações de alta intensidade estão ligadas a padrões de movimentos comumente realizadas em partidas/treinos, onde os atletas precisam reduzir rapidamente o impulso para fugir ou perseguir oponentes durante as transições (McBURNIE, et al., 2022).

Durante a desaceleração horizontal é necessário um alto grau de pré-ativação muscular para suportar efetivamente os grandes momentos externos que são gerados no contato com o solo. Especificamente, os altos níveis de ativação podem facilitar a produção de altas forças musculares internas em prazos mais curtos, permitindo subsequentemente que o impulso de frenagem externo necessário seja gerado para reduzir o momento horizontal. 

Fig. 2: Desaceleração Horizontal com Mudança de Direção (CoD)

A desaceleração depende do próximo padrão de movimento que será realizado. Assim, a fase de desaceleração prepara o corpo colocando-o em um posicionamento otimizado para iniciar a próxima fase do movimento. 

Como mencionado anteriormente, desacelerações de alta intensidade são realizadas com mais frequência do que acelerações de intensidade equivalente em vários esportes coletivos. A desaceleração pode ser considerada uma qualidade fundamental subjacente à velocidade multidirecional do jogador de futebol. Atletas que possuem capacidades avançadas de aceleração e velocidade máxima podem apresentar capacidades de desaceleração reduzida, isso pode supor que esses atletas identificados provavelmente estão despreparados para as demandas físicas do esporte de equipe competitivos, devido às demandas de carga ainda maiores para realizar desacelerações não planejadas no jogo. Com essas informações, juntamente com a avaliação da competência de movimento do atleta e capacidade física (particularmente força excêntrica e reativa) os praticantes podem caracterizar mais facilmente déficits biomecânicos ou neuromusculares específicos (McBURNIE, et al., 2022).

Embora o desenvolvimento e manutenção contínuos da atividade locomotora de alta velocidade continuem sendo a peça vital do quebra-cabeça do desempenho em esportes como o futebol. Durante o trabalho de campo, os atletas precisam ser regularmente expostos a desaceleração de alta intensidade dentro do seu microciclo semanal, e o trabalho complementar pode ser recomendado da mesma forma que a suplementação das corridas de alta intensidade (HSR) são agora comumente utilizadas. Destarte, a desaceleração horizontal deve ser treinada como uma habilidade de movimento em conjunto com a melhoria da capacidade de força excêntrica e qualidades de desempenho neuromuscular no treinamento fora do campo (McBURNIE, et al., 2022). Afinal, como já dizia o slogan de uma famosa companhia de pneus "Força sem controle é nada." Nesse caso específico, velocidade sem freio é nada.

A pergunta que foi feita no título da publicação não é tão simples de ser respondida. Mais pesquisas precisam ser feitas para que a resposta possa ser positiva e/ou negativa. Outra questão que precisa ser levantada quanto a desaceleração é o próximo padrão de movimento, que depende dos graus de angulação para a mudança de direção (CoD), 45º, 90º e 180º cada um com um grau de intensidade diferente.    

Boa semana!

Referências

FALSONE, S. A corrida em esporte. in LIEBENSON, C. Treinamento funcional na prática desportiva e reabilitação neuromuscular. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 263-272.

FALSONE, S. Reduzindo o tempo da reabilitação ao desempenho. Rio de Janeiro: FitnessPro Education, 2019. 

McBURNIE, A.; HARPER, D.J.; JONES, P. A.; DOS SANTOS, T. Deceleration Training in sports: another potential 'vacine' for sports-related injury? Sports Medicine 2022. 52:1-12.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

FORÇA EXPLOSIVA E SUAS ESPECIFICIDADES NO FUTEBOL

Foto 1: Cristiano Ronaldo salta 2,57 metros e supera goleiro 

A força para nós tem uma importância essencial, é considerada a gênesis da motricidade humana. Força é tudo que causa mudança no estado de movimento. Isto posto, que o jogador de futebol necessita da força não há dúvida, pois a força durante o jogo é representada em vários aspectos. Mas, vamos nos ater apenas na força explosiva. 

Força Explosiva (Força e Velocidade): é a capacidade demonstrada na superação de certa resistência no menor tempo possível, e é caracterizada pelo sistema neuromuscular mobilizador do potencial funcional com a finalidade de alcançar altos níveis de força. A força explosiva representa particularmente a manifestação das capacidades de força e de velocidade relacionadas com o esforço em uma ou poucas repetições (saltos, lançamentos, etc.).

Gomes e Souza, 2008

Já está bem documentado na literatura que o aumento da força máxima melhora a força explosiva e essa, está intimamente ligada aos momentos mais decisivos do jogo, como o gol, por exemplo. Destarte, se a força máxima for treinada em demasia ela pode ocasionar um aumento na secção transversa tanto das fibras de contração rápida quanto das de contração lenta e isso, é prejudicial para a força explosiva. 

A velha metodologia de treino previa, para o início da preparação, um período de treinamento dirigido exclusivamente à melhoria da força máxima (2 a 3 meses) e, posteriormente, um período de transformação seguido de um outra de força especial. As novas proposições, com base em experiências baseadas em evidências e comprovadas no campo, prevêem trabalhos de força máxima e de força explosiva durante o mesmo período (BOSCO, 2007). A adaptação biológica de origem neural que ocorre como resposta inicial aos estímulos promovidos pelo treinamento da força máxima é fenômeno já bem documentado (MORITANI e de VRIES, 1980). É bem provável que os fatores neurais atuem em diversos níveis do sistema nervoso central e periférico, determinando como resultado final a ativação máxima de várias unidades motoras envolvidas (BOSCO, 2007). 

Campograma 1: Jogo Fractal para Força Explosiva

No campograma 1 trago um exemplo de como trabalhei essa questão nas pré-temporadas dos anos de 2020 e 2021. Trabalho de força máxima agachamento (4 X 4 com 85% do 1 RM) e após o tempo de descanso um jogo fractal onde se enfrentavam duas equipes com 5 jogadores (3 dentro do quadrado e 2 por fora, nas laterais). O objetivo era buscar a progressão com passes verticais e cada vez que isso fosse alcançado com sucesso, o jogador que realizou o passe realiza uma aceleração e um salto sobre a barreira fixa na lateral do campo e ocupa o lugar do jogador que ali estava, o jogador recebedor do passe entra no espaço conduzindo a bola e busca o passe vertical na outra lateral (pontuando após cada salto na barreira).

Sempre em busca da especificidade, lembrando que, essa relação de especificidade ou semelhança pode ser criada de três formas no treinamento:
  • Especificidade Metabólica;
  • Especificidade Neural; e
  • Especificidade Mecânica.  
No futebol, assim como em outras modalidades esportivas (ciclismo, voleibol, natação, ginástica, entre outras), não devemos buscar um ganho excessivo de hipertrofia muscular. Devemos buscar um ganho de força ótima. Outro ponto que deve ser lembrado é a questão do treinamento concorrente (que no futebol a sua ocorrência é muito grande). Mas isso, será um tema para o futuro.

Boa semana!

Referências

GOMES, Antônio Carlos; SOUZA, Juvenilson. Futebol: treinamento desportivo de alto rendimento. Porto Alegre: Artmed, 2008.

BOSCO, Carmelo. A Força Muscular: aspectos fisiológicos e aplicações práticas. São Paulo: Phorte, 2007.

MORITANI, T. ; de VRIES, H. A. Potential for gross muscle hypertrophy in older men. Journal of Gerontology. v. 35, p. 672-682, 1980.
 


quarta-feira, 20 de julho de 2022

EPICENTRO DO JOGO, ESPAÇOS DE FASE E JOGO DE POSIÇÃO

                                    Figura 1: Fotograma
Legenda: ACB= Atacante com a Bola; ASB= Atacante sem a Bola; DSB= Defensor sem a Bola

Muitas pessoas não gostam de futebol. Sim, eu já ouvi muito isso na minha vida. Por outro lado, existem muitas pessoas espalhadas pelo mundo que dedicam grande parte das suas vidas a esse esporte. O Brasil é considerado o "País do Futebol" (no site de busca mais famoso encontramos aproximadamente 33.100.000 resultados sobre esse tema). Alguns tratam o esporte futebol como sendo algo simples, uma equipe que ataca e a outra que se defende. E seguem dizendo que, "se nenhuma das duas equipes errar, o resultado será 0 X 0". 

Confesso, eu já fui um desses. Míope pela paixão, assistindo jogos e não compreendendo a complexidade que eles nos mostram.

Para que possamos começar a compreender a complexidade do jogo de futebol, devemos entender sobre às referências espaciais. Olhando o fotograma acima, temos dentro do círculo vermelho seis (6) jogadores, sendo um deles portador da bola. Destarte, o epicentro do jogo é o local onde se encontra a bola em determinado momento (tempo) do jogo (TEOLDO, et. al. 2015). Apoiados na Geofísica, o epicentro é o ponto da superfície da Terra onde primeiramente chega a onda sísmica. Entretanto, o epicentro é o ponto de maior concentração e/ou liberação de energia. Quando relaciono isso com o futebol, quero dizer que, entre todos os elementos e forças de interação que provocam respostas e contra-respostas em outros de um forma variada a cada momento, o maior dentre eles, o que possui mais forças gravitacionais é a bola (PERAITA, 2021). 

O centro do jogo (no fotograma acima representado pelo círculo vermelho) é uma circunferência estabelecida por um raio de 9,15 metros (distância regulamentar no futebol) a partir do epicentro do jogo. Sobre essa referência espacial (zona onde a bola se encontra) irá gerar 22 vetores de força diferentes que vão condicionar todos os comportamentos. Haverá jogadores cujas decisões sobre a sua localização, posicionamento e conduta serão influenciadas (para mais ou para menos) pela posição da bola (PERAITA, 2021). 

Desta forma, podemos classificar os papéis no jogo do seguinte modo:

  • Momento com a Bola
  • Atacante com a Bola (Microssistema de ação de jogo);
  • Atacante sem a Bola no Centro do Jogo (Mesossistema de ação do jogo);
  • Atacante sem a Bola Fora do Centro do Jogo (Macrossistema de ação do jogo).
  •  Momento sem a Bola
  • Defensor do atacante com a Bola (Microssistema de ação de jogo);
  • Defensor do atacante sem a Bola no Centro do Jogo (Mesossistema de ação do jogo);
  • Defensor do atacante sem a Bola Fora do Centro do Jogo (Macrossistema de ação do jogo). 
A partir dessa compreensão, algumas equipes que antes se organizavam apenas para proteger um gol e atacar o outro, começaram a se estruturar em torno da bola. Desse insight, nasce o Jogo de Posição (PERAITA, 2021). Outro fator que merece menção aqui é a REC 5 (recuperar a posse de bola após a sua perda em até 5 segundos), o centro do jogo é uma ótima referência espacial para isso (por isso o seu entendimento tanto por comissão técnica e plantel se faz necessário). Pois, dentro do espaço do centro do jogo é preciso diferenciar, por sua vez, entre o espaço de intervenção, próprio do atacante com a bola e o defensor do atacante com a bola e o espaço de ajuda mútua onde um número reduzido de atacantes sem a bola próximos a ele participam nessa situação ajudando ao executor a concluir sua atuação de maneira exitosa. Entretanto estes acontecimentos estão acontecendo em um lugar concreto do espaço de jogo, a totalidade do espaço restante deve estar ocupada de uma determinada maneira pelo restante dos integrantes da equipe e todos eles devem estar em situação de cooperação com os que estão na interação de ajuda mútua. Os indivíduos que cooperam são ajustados espacialmente ao espaço de intervenção em diferentes coordenadas que atendem aos sistemas de jogo globais que o treinador tenha proposto para essa partida e que tem uma diferente interpretação em função da fase de ataque (momento com a bola) ou defesa (momento sem a bola) em que se encontra à equipe. Destarte, o espaço que ocupam os jogadores que estão cooperando se denomina espaço fora do centro de jogo ou espaços de fase para diferenciá-lo do espaço do centro do jogo. Então temos que toda a equipe está ocupando um espaço de fase segundo a fase tática em que está comprometida e, em algum lugar desse espaço, há um grupo menor que ocupa um espaço singular no entorno da bola que é o espaço de intervenção onde se estabelecem relações de ajuda mútua de um alto valor afetivo (SEIRUL-LO, 2004).

O jogo aparentemente simples para alguns, esconde muitas nuances de ordem coordenativa, afetiva e mental. O jogo de futebol precisa do equilíbrio entre os momentos de "ter a bola" e o "não ter a bola" (fluxo contínuo) suportado por um sentimento organizacional coletivo. 

Ufa, espero que tenham gostado. Prometo ser mais assíduo nas publicações, se tiverem algum assunto que gostariam que eu trate aqui, sou todo ouvidos. Deixem o seu comentário que farei o possível para atender.

Forte Abraço!

Referências

TEOLDO, Israel. GUILHERME, José. GARGANTA, Júlio. Para um futebol jogado com ideias: concepção, treinamento e avaliação do desempenho tático de jogadores e equipes. 1 ed. Curitiba: Appris, 2015.

PERAITA, Agustín. Espaços de Fase: Como Paco Seirul-lo mudou a tática para sempre. 1 ed. Porto Alegre: Simplíssimo, 2021.

SEIRUL-LO, Francisco. Estructura socioafectiva. Master Profesional en Alto Rendimento en Deportes de Equipo. Área Coordenativa, Barcelona. Byomedic - Fundació F.C Barcelona. 


quarta-feira, 26 de agosto de 2020

O QUE É "INTENSIDADE" NO FUTEBOL?

 


Muito se fala hoje em dia em intensidade no jogo do futebol. Mas afinal, o que é "intensidade" no futebol?

Na nossa cultura e consequentemente no futebol uma situação que impera é o verbalismo. Para     que possamos explicar a "intensidade" no futebol teremos que recorrer a tática. 

De uma forma simples, faz sentido afirmar que o conceito de tática pode ser concebido como a gestão (posicionamento e deslocamento/movimentação) do espaço de jogo pelos jogadores e equipe (TEOLDO, et al., 2015). Destarte, estando a equipe (sem a posse da bola) com as suas linhas próximas, realizando uma forte pressão sobre o homem da bola (se possível, em todas as partes do campo) haverá uma intensidade nesse jogar. 

Mas, para que isso seja possível, é preciso treinar. Treinar os princípios táticos defensivos, contenção e cobertura defensiva. Bem como, a equipe que está em posse da bola, precisa treinar os princípios táticos ofensivos, mobilidade e espaço. O princípio da contenção refere-se, basicamente, à ação de oposição do jogador de defesa sobre o portador da bola visando diminuir o espaço de ação ofensiva, restringindo as possibilidades de passe a outro jogador atacante, evitando o drible que favoreça progressão pelo campo de jogo em direção ao gol e, prioritariamente, impedindo a finalização à baliza (CASTELO, 1996). O princípio da cobertura defensiva está relacionado às ações de apoio de um jogador às "cotas" do primeiro defensor, de forma a reforçar a marcação defensiva e a evitar o avanço do portador da bola em direção à baliza (CASTELO, 1996). 


Estas ações táticas permitem digamos assim um "abafamento" "sufoco" em quem estiver com a posse da bola e quando perdê-la, deve-se realizar o perde/pressiona. E isso não tem só haver com os quesitos físicos, técnicos e psicológicos, pois, estes deixam de ter um sentido sem a dimensão tática para as contextualizar, assim como a dimensão tática não tem possibilidade de se exprimir se uma das outras não estiver presente. Compartilhamos a ideia de Teoldo et al., 2015, que não queremos transmitir a ideia de que a dimensão tática é a mais importante do que as demais, e sim salientar que esta assume o papel gerador, catalisador e coordenador informacional específico de cada equipe.

Em suma, para jogar de forma "intensa" é preciso treinar o que o jogo pede!

Referências:

CASTELO, J. Futebol a organização do jogo: Como entender a organização dinâmica de uma equipe de futebol a partir desta compreensão como melhorar o rendimento e a direcção dos jogadores e da equipa. Lisboa: FMH Edições, 1996. 

TEOLDO, I. et al. Para um Futebol Jogado com Ideias: concepção, treinamento e avaliação do desempenho tático de jogadores e equipes. 1 ed. Curitiba: Appris, 2015.


 

sexta-feira, 31 de julho de 2020

ENTREVISTA PREPARADOR FÍSICO MARCELO LINS MARTINS



Fala galera, tudo bem com vocês?

Hoje trazemos mais um entrevistado de renome internacional com atuação no futebol para tratar do tema: “Importância da Técnica da Corrida para o Jogador de Futebol”.

Espero que gostem!

Vou deixar que o nosso entrevistado dessa semana se apresente:

MM: Sou formado em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília e tenho mestrado em Fisiologia do Exercício pelo Ithaca College, Nova York. Trabalho hoje como instrutor das licenças A e B da CBF Academy e como consultor de performance. Trabalhei na EXOS, no Pittsburgh Pirates (baseball) com as categorias de base, no Chivas USA, na seleção de futebol do Catar, nas seleções Olímpica e principal dos USA, no Bayern de Munique, no Athletico Paranaense e no Western Sydney Wanderers (A-League, Austrália).

EF: O jogador de futebol está constantemente em transição da corrida para a marcha (caminhada), e desta para a corrida. Muitos jogadores realizam tudo isso intuitivamente. Quais as vantagens que o jogador pode obter melhorando a sua técnica de corrida?

MM: O jogador de futebol não é conhecido por ter uma técnica de corrida refinada. E muitos ao longo de suas carreiras nunca trabalharam a mecânica da corrida. Todos entendem que pra treinar habilidades motoras como chutar uma bola ou realizar o saque no tênis requer muito tempo de prática pra atingir um alto nível. E achamos que aceleração e velocidade máxima são atividades naturais pra todo ser humano. Qualquer um pode correr rápido de acordo com suas habilidades individuais, mas ninguém pode ser um velocista sem um treino adequado. Não quero dizer que temos que treinar os jogadores como velocistas, mas otimizando a mecânica do jogador não só melhora a aceleração e velocidade como ajuda a reduzir a incidência de lesões sem contato.

EF: O movimento do jogador de futebol pode ser dividido e categorizado de acordo com a direção do deslocamento. Ao abordarmos essa questão em alto nível, nos movemos linearmente, lateralmente, rotacionalmente, para cima (salto) ou para baixo (carrinho). Como treinar isso nos jogadores que não apresentam as unidades fundamentais de movimento?

MM: Existem algumas teorias quando nos referimos ao aprendizado motor. Uma delas tem a raiz na teoria do controle motor onde seus proponentes acreditam que os movimentos devem ser aprendidos primeiro com exercícios pré-programados e depois progredir para ambientes abertos e mais caóticos. Essa linha acredita que nenhum movimento deve ser realizado de forma incorreta ou com uma técnica inadequada pois o movimento fica arraigado no cérebro como um programa motor eficiente que vai se tornar automático à medida que a prática continuar. Outra linha é a teoria dos sistemas dinâmicos, que acreditam que o movimento surge como resultado de uma auto-organização quando os atletas são expostos a diferentes ambientes e níveis de complexidade. Independente da linha que acreditamos, se o atleta tiver uma mecânica inadequada vai gerar uma aplicação menos eficiente da força, diminuindo a performance. Além disso, vai ter um maior desgaste, gerar uma maior sobrecarga no sistema e aumentar a probabilidade de uma lesão acontecer. A maneira como iremos trabalhar vai depender de uma análise das necessidades dos jogadores e, no final das contas, o importante vai ser quão efetivo está sendo a transferência do método adotado para a performance no campo. Muitas vezes é necessário se realizar os trabalhos em ambientes mais isolados com exercícios pré-programados para que o atleta possa realizar o movimento de forma eficiente e ter um melhor entendimento da ação para então progredir e inserir elementos perceptual-cognitivos tornando o trabalho mais específico ao jogo. 

EF: Qual é a importância da saúde dos pés para a técnica da corrida? 

MM: O pé tem uma estrutura complexa de ossos, ligamentos e articulações que trabalham em harmonia e desempenham um importante papel na locomoção. Durante a corrida o pé atua auxiliando a minimizar as forças de reação do solo, proporcionando uma base de suporte estável e um braço de alavanca pra impulsionar o corpo de maneira eficiente. Em pés saudáveis, os músculos intrínsecos tem um papel importante em manter o arco do pé. Algumas evidências mostram que quando esses músculos estão enfraquecidos ou disfuncionais podem gerar uma pronação excessiva comprometendo a performance e aumentando a chance de lesões.

EF: Não é raro observarmos jogadores de futebol correndo e cruzando os braços na linha média do corpo. Isso é correto? Qual é o papel da ação dos braços na corrida?


MM: A ação dos braços é um mecanismo que o corpo utiliza para se manter estável durante a corrida em alta velocidade, contrabalançando o movimento do membro inferior oposto e tornando o movimento mais eficiente. Durante a corrida, os braços influenciam a posição dos quadris e, segundo alguns treinadores, influenciam também a frequência das passadas. Movimentos inadequados dos braços durante a corrida geram um maior desgaste, limitam o potencial de velocidade e podem indicar restrições na pélvis. Nem sempre o jogador de futebol pode realizar uma movimentação adequada dos braços (flexão e extensão dos ombros no plano sagital com diferentes angulações na flexão do cotovelo) durante a corrida pois muitas vezes utiliza os membros superiores para tentar manter o adversário afastado durante uma disputa, um duelo. Mas durante a partida podem ocorrer situações onde o jogador vai realizar a corrida em alta velocidade sem um adversário por perto e, portanto uma mecânica adequada pode potencializar a ação da corrida. 


EF: Atualmente existe uma grande discussão quanto a forma de pisada na corrida. Na sua experiência, qual a melhor forma de pisar na corrida?


MM: Quando estamos falando de aceleração e velocidade máxima, alguns princípios biomecânicos devem ser observados (logicamente respeitando as individualidades) para que haja uma melhor eficiência e aplicação da força. Durante a fase de aceleração o jogador tem que ter o centro de massa fora da base de suporte gerando uma inclinação. Essa inclinação vai depender, dentre fatores relacionados a situações específicas do jogo, da capacidade do jogador de produzir força, quanto mais potente maior a inclinação. Então se traçarmos uma linha gravitacional do centro de massa pro solo, a pisada do atleta deve ser diretamente no ponto em que a linha toca o solo ou atrás dela, limitando as forças de frenagem (atrito) e otimizando a força horizontal. 


                                   Fig. 1 Linha gravitacional do centro de massa. 


Na fase da velocidade absoluta, o atleta corre com uma postura mais ereta e o contato com o solo também se dá o mais próximo possível da linha gravitacional do centro de massa, no esforço de minimizar as forças de frenagem (atrito) e maximizar a força vertical. O ponto de contato com o solo em relação ao centro de massa vai ser o resultado da velocidade, força, técnica e tempo certo de contato com o solo. 



                                    Fig. 2 Comprimento da passada da corrida. 


Muito obrigado Marcelo Lins Martins por aceitar o nosso convite para essa entrevista sobre o tema a importância da técnica da corrida para o jogador de futebol.


Boa sorte na sua caminhada profissional e esperamos nos falar em breve.


Forte Abraço!