Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

JOGOS FRACTAIS E ESPAÇOS DE FASE

Foto 1: Saída de jogo

O futebol vem passando por transformações na sua maneira de pensar e agir na forma de treinamento ao longo dos anos. Na minha opinião as duas pessoas que se sobressaíram foram, Vítor Frade (Periodização Tática) e Paco Seirul-lo (Espaços de Fase). 

Na postagem de hoje iremos tratar dos Jogos Fractais e os Espaços de Fase. Segundo Peraita (2021),
 "a perspectiva tática tradicional, na sua intenção de fracionar o jogo em partes para poder estudá-lo, propõe um divisão em 5 momentos ..." 

O autor prossegue relatando que, a perspectiva de Espaços de Fase (EdF), resiste em fracionar o jogo em momentos e esclarece que existe apenas um único momento, que é o jogo! Resulta evidente que esse momento único do jogo é uma sucessão de EdF que ocorrem entre duas descontinuações do jogo: tomar um gol e fazer um gol.

Fig. 1: Ciclo do Jogo (adaptado de Peraita, 2021).

Essa teoria propõe considerar o jogo como um ciclo que se inicia e reinicia constantemente (se alimenta) sem  necessidade  de  passar  por  receber  um  gol  para  poder  fazer  outro,  onde  o momento com a bola e sem a bola acontecem em um fluxo de EdF. 

Apesar de as partidas de futebol integrarem várias transições de fase, entre estados de equilíbrio e quebras de equilíbrio organizacional, as fases e momentos de jogo (ataque, defesa e suas transições) obedecem, por vezes, a um processo de mudança gradual cuja separação não é levada a cabo por linhas de demarcação súbita ou bruscas, mas por se dissiparem ou diluírem uns nos outros (GARGANTA, 2013 apud TEOLDO, et al. 2015). 

Na citação acima percebemos que, outros teóricos do futebol já haviam abordado essa perspectiva, porém um tanto quanto academicamente. Relatando sobre Teoria do Caos, Sistemas Dinâmicos de Alta Complexidade. Baseado nisso que trazemos a abordagem dos Jogos Fractais. Segundo Stacey (1995) um fractal é uma parte invariante ou regular de um sistema caótico que pela sua estrutura e funcionalidade consegue representar o todo, independente da escala onde possa ser encontrado. Os fractais são representativos do todo, pois têm uma constituição "genética" semelhante ao todo onde foi observado (GUILHERME OLIVEIRA, 2004 apud CAMPOS, 2008). 

Os Jogos Fractais podem ser mais bem compreendidos dentro do processo de treinamento de futebol, fazendo uma analogia bem simples. Quando uma fotografia é feita de uma partida de futebol quantos jogadores aparecem na mesma? 

Foto 2: Representação de um Jogo Fractal 

Aparecerão quantos jogadores forem responsáveis pelo setor onde a fotografia foi tirada. No caso da foto 2, temos uma saída de bola onde claramente aparecem a dupla de zaga, o lateral direito, o volante e os dois meias (em amarelo), contra um trio de adversários (em vermelho). Ficou nítida uma superioridade numérica da defesa interagindo com o meio sobre o ataque adversário, neste setor do campo de jogo, em forma geométrica de triângulo. O triângulo em preto, formado pelo zagueiro do lado direito, lateral direito e volante contra um adversário nos remete a um jogo fractal em pequeno grupo (3 VS 1); e os outros triângulos formados por linhas tracejadas em azul formam outras possibilidades dos padrões de comportamento da equipe. E isso é um fractal que está representando o todo. O micro representa o macro. Essa é uma justificativa para execução desse tipo de Jogo Fractal no processo de treinamento, pois os jogadores deverão entender os objetivos e as finalidades dos exercícios (Jogos Fractais) dentro do jogo todo. Para isso será fundamental o conhecimento global do jogo por parte dos jogadores, isso em substituição do jogo reduzido, que na sua grande maioria ocorre sem objetivos bem definidos.    

A relevância prática disto pode ser entendida pela presença do jogo dentro do processo de treinamento em futebol (Jogo Fractal). E isto, ocorrerá por uma redução sem empobrecimento o jogo formal enquanto objetos fractais do mesmo (MACIEL, 2011). Pois, o jogo de futebol pode e deve ser entendido como um sistema caótico com organização fractal. 

Para voltar aos Espaços de Fase, precisamos voltar na figura 1, onde a imagem representa o jogo por meio de um modelo onde se poderia diferenciar entre o momento com a bola e o momento sem a bola.  Segundo Peraita (2021), é muito difícil desassociar esses dois momentos, resulta de identificar as fases do jogo que vão contextualizar os EdF.

Fig. 2: As três fases com a bola

De acordo com essa perspectiva de treinamento, na fase de iniciação a equipe dispõe da bola em um EdF, onde conta com a oposição de pelo menos uma estrutura de recuperação ativa que pretende recuperar a bola com urgência (em coordenação com uma estrutura de contenção e outra de proteção da zona de finalização). Na fase de disposição posicional a equipe dispõe da bola em um EdF onde não há oponentes, tentando recuperar a posse de bola com urgência, mas existem alguns jogadores impedindo o avanço. A fase de finalização a equipe dispõe da bola em um EdF onde os oponentes só pretendem evitar que a equipe com bola finalize em gol. 


No Jogo Fractal acima, propomos um 3 VS 2 + Goleiro onde as três fases com a bola estão bem definidas. Três atacantes jogam contra dois defensores + o goleiro na primeira baliza e tem que finalizar antes do sexto passe. Nas laterais, direita e esquerda, encontram-se dois laterais e/ou extremas em posse de bola, após a finalização na primeira baliza, os três atacantes juntamente com os dois defensores se deslocam para a segunda baliza para receber o cruzamento rápido e rasteiro proveniente de uma das laterais para realizar o arremate a baliza. Essa tarefa visa o princípio tático da mobilidade. Segundo Teoldo, et al. (2015), as ações buscando a linha de meta (popular linha de fundo) são denominadas por ações de mobilidade divergente. Para nós essa movimentação é chamada de "caminho do gol". 

Tradicionalmente ouvimos que, o ataque ao último "terço do campo" era uma questão de improvisação e qualidade dos jogadores. Isso é verdade (como em qualquer outra fase do jogo), mas, podemos exercitar possibilidades coletivas para gerar desequilíbrios no oponente, que maximizem as probabilidades de marcar o gol. 

O processo de treinamento em futebol não deve estar distante das propostas de aprendizagem de qualquer área, educação por exemplo. Pois um destino sem uma rota leva a perambulações e ineficiência. Uma rota sem um destino, no entanto, pode ser eficiente, mas com que finalidade? É muito bom treinar, mas é melhor saber o por que estou treinando.

Boa semana!

Referências 

CAMPOS, C. A justificação da Periodização Táctica como uma fenomenotécnica: a singularidade da intervenção do treinador como sua impressão digital. Espanha: MCSports, 2008.

MACIEL, J. Não o deixes matar o bom futebol e quem o joga. Pelo Futebol Adentro não é perda de tempo! Portugal: Chiado, 2011.

PERAITA, A. S. Espaços de Fase: como Paco Serial-lo mudou a tática para sempre. Porto Alegre: Simplíssimo, 2021.

TEOLDO, I. et al. Para um bom futebol jogado com ideias: Concepção, treinamento e avaliação do desempenho tático de jogadores e equipes. Curitiba: Appris, 2015.
 

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