Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

JOGOS FRACTAIS E ESPAÇOS DE FASE

Foto 1: Saída de jogo

O futebol vem passando por transformações na sua maneira de pensar e agir na forma de treinamento ao longo dos anos. Na minha opinião as duas pessoas que se sobressaíram foram, Vítor Frade (Periodização Tática) e Paco Seirul-lo (Espaços de Fase). 

Na postagem de hoje iremos tratar dos Jogos Fractais e os Espaços de Fase. Segundo Peraita (2021),
 "a perspectiva tática tradicional, na sua intenção de fracionar o jogo em partes para poder estudá-lo, propõe um divisão em 5 momentos ..." 

O autor prossegue relatando que, a perspectiva de Espaços de Fase (EdF), resiste em fracionar o jogo em momentos e esclarece que existe apenas um único momento, que é o jogo! Resulta evidente que esse momento único do jogo é uma sucessão de EdF que ocorrem entre duas descontinuações do jogo: tomar um gol e fazer um gol.

Fig. 1: Ciclo do Jogo (adaptado de Peraita, 2021).

Essa teoria propõe considerar o jogo como um ciclo que se inicia e reinicia constantemente (se alimenta) sem  necessidade  de  passar  por  receber  um  gol  para  poder  fazer  outro,  onde  o momento com a bola e sem a bola acontecem em um fluxo de EdF. 

Apesar de as partidas de futebol integrarem várias transições de fase, entre estados de equilíbrio e quebras de equilíbrio organizacional, as fases e momentos de jogo (ataque, defesa e suas transições) obedecem, por vezes, a um processo de mudança gradual cuja separação não é levada a cabo por linhas de demarcação súbita ou bruscas, mas por se dissiparem ou diluírem uns nos outros (GARGANTA, 2013 apud TEOLDO, et al. 2015). 

Na citação acima percebemos que, outros teóricos do futebol já haviam abordado essa perspectiva, porém um tanto quanto academicamente. Relatando sobre Teoria do Caos, Sistemas Dinâmicos de Alta Complexidade. Baseado nisso que trazemos a abordagem dos Jogos Fractais. Segundo Stacey (1995) um fractal é uma parte invariante ou regular de um sistema caótico que pela sua estrutura e funcionalidade consegue representar o todo, independente da escala onde possa ser encontrado. Os fractais são representativos do todo, pois têm uma constituição "genética" semelhante ao todo onde foi observado (GUILHERME OLIVEIRA, 2004 apud CAMPOS, 2008). 

Os Jogos Fractais podem ser mais bem compreendidos dentro do processo de treinamento de futebol, fazendo uma analogia bem simples. Quando uma fotografia é feita de uma partida de futebol quantos jogadores aparecem na mesma? 

Foto 2: Representação de um Jogo Fractal 

Aparecerão quantos jogadores forem responsáveis pelo setor onde a fotografia foi tirada. No caso da foto 2, temos uma saída de bola onde claramente aparecem a dupla de zaga, o lateral direito, o volante e os dois meias (em amarelo), contra um trio de adversários (em vermelho). Ficou nítida uma superioridade numérica da defesa interagindo com o meio sobre o ataque adversário, neste setor do campo de jogo, em forma geométrica de triângulo. O triângulo em preto, formado pelo zagueiro do lado direito, lateral direito e volante contra um adversário nos remete a um jogo fractal em pequeno grupo (3 VS 1); e os outros triângulos formados por linhas tracejadas em azul formam outras possibilidades dos padrões de comportamento da equipe. E isso é um fractal que está representando o todo. O micro representa o macro. Essa é uma justificativa para execução desse tipo de Jogo Fractal no processo de treinamento, pois os jogadores deverão entender os objetivos e as finalidades dos exercícios (Jogos Fractais) dentro do jogo todo. Para isso será fundamental o conhecimento global do jogo por parte dos jogadores, isso em substituição do jogo reduzido, que na sua grande maioria ocorre sem objetivos bem definidos.    

A relevância prática disto pode ser entendida pela presença do jogo dentro do processo de treinamento em futebol (Jogo Fractal). E isto, ocorrerá por uma redução sem empobrecimento o jogo formal enquanto objetos fractais do mesmo (MACIEL, 2011). Pois, o jogo de futebol pode e deve ser entendido como um sistema caótico com organização fractal. 

Para voltar aos Espaços de Fase, precisamos voltar na figura 1, onde a imagem representa o jogo por meio de um modelo onde se poderia diferenciar entre o momento com a bola e o momento sem a bola.  Segundo Peraita (2021), é muito difícil desassociar esses dois momentos, resulta de identificar as fases do jogo que vão contextualizar os EdF.

Fig. 2: As três fases com a bola

De acordo com essa perspectiva de treinamento, na fase de iniciação a equipe dispõe da bola em um EdF, onde conta com a oposição de pelo menos uma estrutura de recuperação ativa que pretende recuperar a bola com urgência (em coordenação com uma estrutura de contenção e outra de proteção da zona de finalização). Na fase de disposição posicional a equipe dispõe da bola em um EdF onde não há oponentes, tentando recuperar a posse de bola com urgência, mas existem alguns jogadores impedindo o avanço. A fase de finalização a equipe dispõe da bola em um EdF onde os oponentes só pretendem evitar que a equipe com bola finalize em gol. 


No Jogo Fractal acima, propomos um 3 VS 2 + Goleiro onde as três fases com a bola estão bem definidas. Três atacantes jogam contra dois defensores + o goleiro na primeira baliza e tem que finalizar antes do sexto passe. Nas laterais, direita e esquerda, encontram-se dois laterais e/ou extremas em posse de bola, após a finalização na primeira baliza, os três atacantes juntamente com os dois defensores se deslocam para a segunda baliza para receber o cruzamento rápido e rasteiro proveniente de uma das laterais para realizar o arremate a baliza. Essa tarefa visa o princípio tático da mobilidade. Segundo Teoldo, et al. (2015), as ações buscando a linha de meta (popular linha de fundo) são denominadas por ações de mobilidade divergente. Para nós essa movimentação é chamada de "caminho do gol". 

Tradicionalmente ouvimos que, o ataque ao último "terço do campo" era uma questão de improvisação e qualidade dos jogadores. Isso é verdade (como em qualquer outra fase do jogo), mas, podemos exercitar possibilidades coletivas para gerar desequilíbrios no oponente, que maximizem as probabilidades de marcar o gol. 

O processo de treinamento em futebol não deve estar distante das propostas de aprendizagem de qualquer área, educação por exemplo. Pois um destino sem uma rota leva a perambulações e ineficiência. Uma rota sem um destino, no entanto, pode ser eficiente, mas com que finalidade? É muito bom treinar, mas é melhor saber o por que estou treinando.

Boa semana!

Referências 

CAMPOS, C. A justificação da Periodização Táctica como uma fenomenotécnica: a singularidade da intervenção do treinador como sua impressão digital. Espanha: MCSports, 2008.

MACIEL, J. Não o deixes matar o bom futebol e quem o joga. Pelo Futebol Adentro não é perda de tempo! Portugal: Chiado, 2011.

PERAITA, A. S. Espaços de Fase: como Paco Serial-lo mudou a tática para sempre. Porto Alegre: Simplíssimo, 2021.

TEOLDO, I. et al. Para um bom futebol jogado com ideias: Concepção, treinamento e avaliação do desempenho tático de jogadores e equipes. Curitiba: Appris, 2015.
 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

LIMITES DO EXERCÍCIO NO CALOR

 


Começou a vigésima segunda Copa do Mundo FIFA 2022. Desta vez ela será disputada pela primeira vez no Oriente Média. Onde o clima é predominantemente árido e semiárido, localizam-se nessa área grandes desertos. Em novembro no país a temperatura média será em torno dos 27º C e 30º C.

Na biologia, diferencia-se, no que diz respeito à temperatura corporal, entre os animais de sangue quente (homotérmicos) e os de sangue frio (pecilotérmicos). Os homotérmicos possuem uma temperatura corporal relativamente independente das temperaturas do meio ambiente. 

Durante situações de sobrecarga, por exemplo, em temperaturas altas e/ou durante atividades físicas, ocorre no corpo um aumento da produção de calor, que é compensado principalmente pelo mecanismo de perda de calor da evaporação ou pela vasodilatação periférica (WEINECK, 2005).

É inegável que o exercício aumenta as demandas no sistema cardiovascular. Somando-se a isso a necessidade de regular a temperatura corporal durante o exercício no calor, o sistema cardiovascular pode ficar sobrecarregado. Nesse cenário, o sistema cardiovascular precisa continuar levando o sangue não apenas até os músculos que estão trabalhando, mas também até a pele, de onde o calor gerado nos músculos pode ser transferido para o ambiente (KENNEY, WILMORE & COSTILL, 2013).

Em temperaturas extremamente altas e/ou durante o exercício físico esportivo, observa-se perdas de fluido, por meio da sudorese, principalmente à custa do plasma. Por isso, quando há um alto déficit de líquido, não ocorre apenas uma crescente limitação da capacidade termorregulatória, cada vez há menos água disponível para fins de evaporação, mas também ocorrem alterações no metabolismo e nas reservas de água e eletrólitos, o que acarreta uma progressiva limitação da capacidade de desempenho físico/desportivo (WEINECK, 2005).

Segundo o portal da CNN Brasil, 73,76% dos jogadores convocados para atuarem na Copa do Catar atuam na Europa (Mais de 70% dos atletas convocados para a Copa de 2022 jogam na Europa (cnnbrasil.com.br). Isso nos mostra que, a grande maioria dos atletas pratica o futebol em temperaturas muito menores do que em Doha na sua grande maioria do tempo. 

Enquanto está realizando um exercício intenso (como uma partida da Copa do Mundo) em condições quentes, o corpo pode perder mais de 1 L/h/m² de superfície corporal. Isso significa que, durante um esforço intenso em um dia quente e úmido (nível elevado de estresse térmico), um indivíduo de tamanho corporal médio (50 a 75 Kg) pode perder, por hora, cerca de 1,6 a 2,0 L de suor, ou 2,5 a 3,2% do peso corporal. A produção prolongada de um grande volume de suor diminui o volume sanguíneo. Isso limita o volume de sangue que retorna ao coração, aumentando a frequência cardíaca e diminuindo o débito cardíaco, o que, por sua vez, diminui o potencial de desempenho, particularmente no caso de resistência (KENNEY, WILMORE & COSTILL, 2013).

Foto 1: Jogadores da Inglaterra se refrescando em ventiladores. 
Fonte: Twitter

Dentre as limitações que podem acontecer com o exercício no calor estão:
  • Cãibras pelo calor;
  • Exaustão pelo calor.
O melhor e mais simples método para a reposição completa das perdas de água determinadas pela sudorese é a determinação de quantidade necessária de líquido correspondente à perda de peso corporal (aferição do peso corporal antes da partida, intervalo e ao término da partida). Também devem ser orientados e incentivados a evitar a perda de peso excessiva (>2%); ou seja, devem repor suas perdas de suor ou prevenir a desidratação, mas não devem consumir líquidos em excesso, a ponto de ganhar peso durante a competição. 

Boa semana!

Referências

WEINECK, Jürgen. Biologia do esporte. Barueri, SP: Manole, 2005.

KENNEY, L.; WILMORE, D; COSTILL, D. Fisiologia do esporte e do exercício. 5 ed. Barueri, SP: Manole, 2013.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O PERÍODO DE TRANSIÇÃO NO FUTEBOL (OFF-SEASON)



Ontem tivemos a última rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol. Hoje todos os clubes estão oficialmente em férias. Esse período que compreende o final da temporada e o início da próxima pré-temporada (pre-season) do ano seguinte, é denominado período de transição (off-season), segundo a teoria e metodologia do treinamento desportivo. 

Esse período é amparado pela Lei 6.354/76 no seu artigo 25 que diz:

Art. 25. O atleta terá direito a um período de férias anuais remuneradas de trinta (30) dias, que coincidirá com o recesso obrigatório das atividades de futebol. 

Parágrafo único. Durante os dez (10) dias seguintes aos recesso é proibida a participação do atleta em qualquer competição com ingressos pagos.

Entre as tarefas básicas do período de transição, estão o descanso completo para recuperação do potencial gasto durante as cargas de treinamento e das competições do ano anterior e a manutenção de um nível de preparo que garanta desempenho ótimo do futebolista no macrociclo seguinte. Atenção especial deve ser dada à completa recuperação física e, principalmente psicológica (PLATONOV, 2008).

A literatura expõem que a duração do período de transição oscila, geralmente, de três (3) a quatro (4) até seis (6) a oito (8) semanas e depende do calendário de cada equipe (PLATONOV, 2008). No Brasil costumam perdurar entre quatro (4) e cinco (5) semanas. 

É do conhecimento de todos que, os atletas de futebol chegam ao final da temporada bem cansados (sendo o Brasil um país com dimensões continentais isso contribui e muito), mas, por outro lado, também é do conhecimento de quem exerce alguma função no futebol e meio acadêmico/científico que, longos períodos sem treinamentos acarretam perdas aptidão física dos jogadores. O conhecido Princípio do Reversibilidade.

No princípio da desadaptação, ao que parece pode existir uma relação proporcional entre o período de tempo de interrupção dos treinos e a real perda dos ajustes fisiológicos adquiridos anteriormente (BOMPA, 2002). 

Os autores citados acima reportam declínios em algumas variáveis fisiológicas dos futebolistas:
  • VO2máx;
  • Velocidade Linear (sprint);
  • Velocidade com Mudança de Direção (CoD);
  • Queda da Potência Muscular. 
Isso indica que, as capacidades de resistência, força e velocidade são afetadas diretamente. 

Em contrapartida, outras evidências (experiência prática) nos mostram que durante o período de transição essa queda de desempenho não é tão acentuada assim.

Mas, como o nome sugere esse é um período de férias, não podemos exigir que os jogadores pratiquem atividades de alta intensidade durante esse período, porém, existem responsabilidades a serem cumpridas. Uma grande indulgência consigo em relação ao álcool é prejudicial ainda que durante o período de transição. O regime atlético correto também envolve uma dieta adequada. O ganho de peso maior que dois (2) a quatro (4) quilos é indesejado (BOMPA, 2002). 

Na prática, são utilizados modelos diferentes para esse período de transição. O que sugerimos é uma combinação de métodos de descanso ativos com passivo, com cargas não-específicas, que permitem garantir a manutenção dos componentes básicos do preparo. Com duração entre 50 e 60 minutos, com prática de ciclismo e/ou natação, força funcional (com o próprio peso corporal e/ou alguns equipamentos como elásticos, kettlebell, etc. e exercícios de mobilidade/flexibilidade). 

O ideal será elaborar um programa baseado em uma análise criteriosa, levando em conta dados  como: idade do jogador; tempo de prática na modalidade, histórico de lesão, funções táticas, entre outros) e que evitemos o overtraining.

O principal objetivo é que aprendamos com base nos erros do passado e evitemos a repetição deles!

Boa semana!

Referências

PLATONOV, Vladimir N. Tratado geral de treinamento desportivo. São Paulo: Phorte, 2008.

BOMPA, Tudor O. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. São Paulo: Porte, 2002.

BRASIL, Diário Oficial da União - Lei Nº 6.354 Seção 1 - 3/9/1976, Página 11687 (Publicação Original) Coleção de Leis do Brasil - 1976, Página 25 Vol. 5 (Publicação Original).

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

CAPACIDADE ALÁTICA NO JOGADOR DE FUTEBOL

Fig. 1: Analisador de Lactato Portátil

Um fator de suma importância que oferece suporte para as atividades em alta velocidade (sprints) é o fornecimento de energia muscular. 

Fig. 2: Sistemas Energéticos

Conforme a figura 2, a velocidade máxima do jogador de futebol depende muito do tipo e da quantidade de reserva de energia da sua musculatura de trabalho (pernas), tanto quanto da sua possível velocidade de mobilização. Tanto que, é nítido e notório que, a velocidade máxima diminui com o aumento da duração da corrida, já que diferentes combustíveis possibilitam diferentes taxas de fluxo de energia (energia liberada por unidade de tempo) (WEINECK, 2000).

Por se tratar de uma atividade física intermitente (intervalado) realizada por meio de exercícios de intensidade variada, o futebol apresenta um componente lático importante. A aferição do lactato no sangue tem sido um parâmetro metabólico frequentemente utilizado para quantificar a intensidade do esforço realizado pelo jogador, em virtude da característica anaeróbia a fonte de energia da fase lática é muita exigida. Para Bangsbo et al. (2007), os jogadores de futebol de elite têm alto nível de exigência aeróbia ao longo de um jogo e extensa demanda anaeróbia durante períodos de uma partida, levando à importantes mudanças metabólicas que podem contribuir para o desenvolvimento de fadiga observada durante e no final de um jogo. O rendimento do atleta de futebol está relacionado com a sua capacidade de tolerar elevadas taxas de reposição de ATP em um determinado período de tempo, por isso, é importante uma quantificação objetiva do desempenho anaeróbio.  O lactato, de acordo com McArdle (2003), não deve ser encarado como um produto de desgaste metabólico, e sim como uma fonte de energia que se acumula em virtude do exercício físico intenso, sendo este importante indicador de intensidade durante o jogo devido a sua variação de concentração sanguínea.

O ácido lático é produzido pelo organismo o dia todo, e não apenas quando praticamos exercícios físicos. Durante o transporte de oxigênio para as células musculares pelos glóbulos vermelhos, há produção dessa molécula como resíduo. Na circulação sanguínea, o ácido lático perde prótons, tornando-se uma molécula com carga negativa. Porém, ela pode se ligar a íons com carga positiva de outras substâncias, como o H+. Dessa forma, a molécula sofre uma mudança em sua estrutura, passando a se chamar lactato. É importante salientar que, na literatura, os termos lactato e ácido lático são frequentemente usados ​​de forma análoga, mas o lactato é estritamente uma base fraca, enquanto o ácido lático é o seu ácido correspondente. 

O aumento da produção e concentração de ácido lático após uma situação de hipóxia (sem a presença de oxigênio) é na verdade uma situação de exceção e não de regra, visto que a sua produção ocorre em situações de normóxia (taxas de oxigênio normais). Isso significa que o ácido lático é apenas uma molécula intermediária e suas implicações são irrelevantes para o metabolismo humano.

Durante os treinos, é preciso que a glicose seja metabolizada a fim de gerar energia química. Na primeira fase desse ciclo, o piruvato é formado lentamente e, depois, entra nas células, produzindo uma maior quantidade de energia, o que é feito em um maior intervalo de tempo. No entanto, em atividades físicas que demandam grande contingente de energia (sprints), por exemplo, o corpo precisa optar por uma via que produza energia mais rapidamente. Nesse caso, o lactato é formado. É importante salientar que, nesse caso, o fornecimento de energia ocorre sem a presença de oxigênio (metabolismo anaeróbico lático), visto que o suprimento de oxigênio nem sempre é o suficiente para finalizar as atividades físicas. O lactato se torna energia e desaparece. No entanto, o ácido H+ está presente na corrente sanguínea. O bicarbonato de sódio se une a esse íon, a fim de transformá-lo em água e gás carbônico. Em certas situações, o estoque de bicarbonato de sódio termina, deixando ácidos livres, o que pode gerar uma hiperacidez no meio extracelular, causando dor e desconforto durante ou logo após o exercício. Em alguns casos, o incômodo é tão grande que é preciso interromper a atividade física.

O fato de jogadores, mesmo no fim da partida, ainda poderem realizar performances de velocidade, de força rápida e de aceleração, relaciona-se com o ATP adquirido, em curto espaço de tempo, pelas reservas de creatina fosfato que foram ressintetizadas (sintetizar novamente). 

Jogadores que produzem pouco lactato em performance de sprints curtos demonstram alta capacidade alática ou, então, capacidade de performance de sprint. Destarte, o nível de capacidade de performance alática para a organização do treinamento em futebol tem um significado que não pode ser subestimado. 

Boa semana!

Referências

BANGSBO J, IAIA FM, KRUSTRUP, P. Metabolic response and fatigue in soccer. International Journal of Sports and Physiological Performance, 2(2):111-27, 2007.

MCARDLE, W.; KATCH, F.I.; KATCH, V.L; Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e Desempenho Humano. 5ª ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 2003.

WEINECK, J. Futebol total: o treinamento físico no futebol. Guarulhos, SP: Phorte, 2000.


 

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

REQUISITOS DE FORÇA - MUDANÇA DE DIREÇÃO (CoD)

Fig. 1: Mudança de Direção (CoD)

Chegamos ao último assunto nessa série sobre corrida em alta velocidade (sprint) no futebol. Hoje falaremos sobre os requisitos de força para a mudança de direção (CoD).

Em termos de parada e aceleração, velocidade e agilidade multidirecionais requerem força reativa, que é a capacidade de absorver rapidamente uma carga excêntrica e mudar de direção para estender a perna e acelerar. A força inadequada das pernas e do pilar (muitos chamam de core) limitará a qualidade do movimento. A falta de força nas pernas afetará significativamente a capacidade de treinar; portanto, a força das pernas deve ser desenvolvida com o trabalho de agilidade (footwork). As forças envolvidas em vários planos de movimento também exigem uma abordagem menos tradicional para o desenvolvimento de forças nas pernas para que ela seja transferida para as habilidades de movimento. A força da perna deve ser unilateral (conforme a Terceira Lei de Newton - Ação e Reação). A baixa força do pilar também afetará negativamente a postura, o que, por sua vez, afetará o controle do centro de gravidade (GAMBETA, 2007). 

A força básica é um pré-requisito para a produção e redução da força. A força excêntrica, o principal requisito para parar de forma eficaz, é a capacidade de reduzir a força até nove (9) vezes o peso corporal e a capacidade de mudar de direção (CoD). Também requer uma tremenda estabilidade e controle das articulações. A força deve ser produzida e reduzida em prazos extremamente curtos; portanto, o prêmio é sobre a taxa de desenvolvimento de força. Tudo isso deve ser feito em décimos de segundos em uma variedade de superfícies. É desenvolvido através de exercícios que aumentem a força unilateral e recíproca das pernas (GAMBETA, 2007).    

A abordagem tradicional desenvolve força através da repetição do movimento. Na teoria, à medida que os atletas ficam mais fortes, o movimento melhora, mas na verdade não funciona assim. Os maus hábitos e padrões que se desenvolvem devido à falta de força resultam numa mecânica de movimento ruim, que é então arraigada. Lembre-se que é muito mais fácil aprender um novo movimento do que quebrar maus hábitos e reaprender um movimento. Assim embora os atletas estejam treinando o exercício, a transferência é negativa, repetições incorretas podem levar à aquisição de padrões de movimentos defeituosos que impedem ainda mais a formação de habilidades corretas. Uma abordagem mais racional exige o domínio das habilidades de movimento fundamentais e pré-requisitos que estão dentro das capacidades de força do atleta. À medida que a força aumenta através de um programa sistemático (com progressões e regressões), a complexidade dos movimentos pode avançar em conjunto com ganhos de força e potência (GAMBETA, 2007). 

Com atletas mais jovens essa é uma grande oportunidade devido à grande janela de adaptação aberta aos atletas em desenvolvimento. 

Boa semana!

Referência

GAMBETA, Vern. Athletic Development. The art & science of functional sports conditioning. Human Kinetics, 2007. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

DESACELARAÇÃO HORIZONTAL: VACINA CONTRA LESÕES?

 

Fig. 1: Desaceleração Horizontal

Qual deve ser o objetivo do treinamento? Na minha humilde opinião é promover o desenvolvimento atlético e a redução das lesões, a fim de melhorar o desempenho. Para isso, é preciso de uma abordagem integrada, que foque na pessoa por completo ao invés de componentes individuais. 

Nas últimas publicações tratamos do sprint e agora daremos sequência no aspecto da corrida tratando da desaceleração. 

A fase de desaceleração é uma etapa de transição, na qual o atleta tenta controlar a inércia (momentum) gerada na etapa de velocidade máxima (FALSONE apud LIEBENSON, 2017). Não há dúvida que, como uma expressão da potência e velocidade explosivas, a aceleração carrega algum risco de lesão em função de forças intensas aplicadas a tecidos moles, tecido conjuntivo e articulações. Porém, pode-se argumentar que mais lesões ocorrem durante a desaceleração (FALSONE, 2019). 

Muito tempo e dedicação foi empregado no estudo das atividades de alta de intensidade (sprint). Um grupo de pesquisadores traz à tona outra ação locomotora de alta intensidade, que talvez receba menos atenção: a desaceleração (McBURNIE, et al., 2022). Embora seja um termo genérico para descrever um processo realizado em muitas tarefas atléticas, desaceleração (ou seja, aceleração negativa) no contexto desta discussão refere-se à ação realizada durante cenários esportivos que antecede uma mudança de direção (CoD), ou uma ação realizada imediatamente após um sprint para reduzir a velocidade (McBURNIE, et al., 2022).

No futebol desacelerações de alta intensidade (> -2,5 m/s2) são executadas com mais frequência do que acelerações equivalentemente intensas durante partidas oficiais. Fundamentalmente, desacelerações de alta intensidade estão ligadas a padrões de movimentos comumente realizadas em partidas/treinos, onde os atletas precisam reduzir rapidamente o impulso para fugir ou perseguir oponentes durante as transições (McBURNIE, et al., 2022).

Durante a desaceleração horizontal é necessário um alto grau de pré-ativação muscular para suportar efetivamente os grandes momentos externos que são gerados no contato com o solo. Especificamente, os altos níveis de ativação podem facilitar a produção de altas forças musculares internas em prazos mais curtos, permitindo subsequentemente que o impulso de frenagem externo necessário seja gerado para reduzir o momento horizontal. 

Fig. 2: Desaceleração Horizontal com Mudança de Direção (CoD)

A desaceleração depende do próximo padrão de movimento que será realizado. Assim, a fase de desaceleração prepara o corpo colocando-o em um posicionamento otimizado para iniciar a próxima fase do movimento. 

Como mencionado anteriormente, desacelerações de alta intensidade são realizadas com mais frequência do que acelerações de intensidade equivalente em vários esportes coletivos. A desaceleração pode ser considerada uma qualidade fundamental subjacente à velocidade multidirecional do jogador de futebol. Atletas que possuem capacidades avançadas de aceleração e velocidade máxima podem apresentar capacidades de desaceleração reduzida, isso pode supor que esses atletas identificados provavelmente estão despreparados para as demandas físicas do esporte de equipe competitivos, devido às demandas de carga ainda maiores para realizar desacelerações não planejadas no jogo. Com essas informações, juntamente com a avaliação da competência de movimento do atleta e capacidade física (particularmente força excêntrica e reativa) os praticantes podem caracterizar mais facilmente déficits biomecânicos ou neuromusculares específicos (McBURNIE, et al., 2022).

Embora o desenvolvimento e manutenção contínuos da atividade locomotora de alta velocidade continuem sendo a peça vital do quebra-cabeça do desempenho em esportes como o futebol. Durante o trabalho de campo, os atletas precisam ser regularmente expostos a desaceleração de alta intensidade dentro do seu microciclo semanal, e o trabalho complementar pode ser recomendado da mesma forma que a suplementação das corridas de alta intensidade (HSR) são agora comumente utilizadas. Destarte, a desaceleração horizontal deve ser treinada como uma habilidade de movimento em conjunto com a melhoria da capacidade de força excêntrica e qualidades de desempenho neuromuscular no treinamento fora do campo (McBURNIE, et al., 2022). Afinal, como já dizia o slogan de uma famosa companhia de pneus "Força sem controle é nada." Nesse caso específico, velocidade sem freio é nada.

A pergunta que foi feita no título da publicação não é tão simples de ser respondida. Mais pesquisas precisam ser feitas para que a resposta possa ser positiva e/ou negativa. Outra questão que precisa ser levantada quanto a desaceleração é o próximo padrão de movimento, que depende dos graus de angulação para a mudança de direção (CoD), 45º, 90º e 180º cada um com um grau de intensidade diferente.    

Boa semana!

Referências

FALSONE, S. A corrida em esporte. in LIEBENSON, C. Treinamento funcional na prática desportiva e reabilitação neuromuscular. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 263-272.

FALSONE, S. Reduzindo o tempo da reabilitação ao desempenho. Rio de Janeiro: FitnessPro Education, 2019. 

McBURNIE, A.; HARPER, D.J.; JONES, P. A.; DOS SANTOS, T. Deceleration Training in sports: another potential 'vacine' for sports-related injury? Sports Medicine 2022. 52:1-12.

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

SPRINT: EXERCÍCIOS COMPLEMENTARES


As ações de sprint são de fundamental importância para o futebol atual. Porém, como ela não é uma habilidade inata, precisamos auxiliar os nossos atletas para que a desempenhem bem.

Um bom início é observar a estabilidade dos nossos atletas. Vários exercícios nos vem à mente quando pensamos em estabilidade que tem haver com a posição do corpo. A inclinação do total do corpo é o que nos impulsiona à medida que aplicamos a força contra o chão. Se você estiver de pé e ereto e aplicar a força contra o chão, você será impulsionado para cima em um salto. Em contrapartida, se estiver em inclinação total aplicando a força diretamente para trás, você será impulsionado para frente. Mas, a inclinação corporal só pode se estender até antes do centro de gravidade, e o alinhamento das articulações não se tornarem prejudiciais ao equilíbrio (FALSONE, 2019). Vejam alguns exemplos:

Vídeo 1: Prone Valslide Hip Flexion Hold

Vídeo 2: Prone Valslide Hip Flexion

Vídeo 3: Wall Acc Pos Hold

Vídeo 4: Wall Acc Pos

Esses são apenas alguns exemplos sobre estabilidade para auxiliar na mecânica do sprint. Se o atleta não possuir um bom nível de estabilidade tanto estática como dinâmica a sua aceleração também não será a ideal, pois irá acontecer o vazamento de energia, o que irá prejudicar a sua performance e também exaurir as suas fontes de energia cedo demais. 

O próximo exercício complementar que podemos elaborar é para a ação dos braços.

Vídeo 5: Arm Work

A ação dos braços é o terceiro fator chave para alcançar o potencial de aceleração total. Como não realizamos qualquer movimento isoladamente, a ação dos braços determinará em grande parte a ação das pernas. Assumindo que temos a mobilidade e o controle motor necessários nos quadris e pernas, produzir atividade potente nos braços estimulará as pernas a acompanharem o processo (FALSONE, 2019).

No treinamento de força, a intenção do movimento geralmente pode ser traduzida na posição final do exercício. Se isso corresponder a posturas corporais importantes da corrida, haverá maior transferência (BOSCH apud JOYCE & LEWINDON, 2014). 

Seguem mais alguns exemplos:

Vídeo 6: Single Leg Bridge

Vídeo 7: Single Leg Bridge Dynamic

Vídeo 8: Single Leg Triple Extension

No vídeo 8 temos um exercício de força com duas intenções relevantes: a posição final completa do reflexo de extensão e a ausência de rotação na ponta dos pés. 

Isto posto, tal como acontece com muitos movimentos esportivos, a forma como o movimento é iniciado geralmente determina o sucesso dos estágios sucessivos desse movimento. No sprint não é diferente. 

Vídeo 9: Sled March

O vídeo acima é um exemplo de como desenvolver força inicial e aplicação de força na direção específica do sprint.

Exercícios e habilidades que aumentam a rigidez dentro do sistema, desenvolvem movimentos poderosos do quadril e minimizam os vazamentos de energia no tronco são fundamentais. O último vídeo trás um exemplo para isso.

Vídeo 10: Overhead ViPR March

A principal intenção deste exercício é enraizar o conceito de altura máxima do quadril ao longo de todo o ciclo da passada. A má postura normalmente resultará em uma posição vertical mais baixa do quadril que não permite uma extensão poderosa do quadril. 

Espero que tenha conseguido contribuir mesmo que minimamente sobre um assunto tão atual e desafiador como é a questão do sprint no futebol.

Boa semana!

Referências

BOSCH, F. Fine-tuning Motor Control in JOYCE, D.; LEWINDON, D. (ed.) High-Performance Training for Sports: the authoritative guide for ultimate athletic conditioning. Champaign: IL, Human Kinetics, 2014. p. 113-126.

FALSONE, S. Reduzindo o tempo da reabilitação ao desempenho. Rio de Janeiro: FitnessPro Education, 2019.