(continuação)
As afirmações de superioridade nacional dos catalães não eram bem recebidas em Madri. O antigo regime castelhano tratou de colocar os presunçosos em seu lugar. Com o apoio do rei, em 1923 o general Miguel Primo de Rivera tomou o poder e instituiu uma ditadura que prefigurava o franquismo vindouro. Primo de Rivera proibiu a bandeira catalã (que o capitão Puyol usa como faixa de capitão) e excluiu a língua local da esfera pública. Em função de seu papel simbólico, o Barça sofreu inevitavelmente a mesma repressão. Depois que sua torcida vaiou o hino nacional antes de uma partida de apresentação em 1925, o ditador mandou fechar seu estádio por seis meses e multou seus diretores. O governo deixou claro para Gamper que ele deveria deixar a Espanha ou sua família sofreria consequências desastrosas. Gamper partiu. Alguns anos depois, numa crise de depressão, potencializada por suas perdas no crack da bolsa de 1929, ele se suicidou.
Primo de Rivera tinha a mesma agenda de Franco mas sem um aparelho de Estado totalitário para sustentá-lo. Muito previsivelmente, a repressão por ele promovida provocou reações. Ele renunciou em 1930, sendo substituído por uma república democrática imbuída do fervor utópico do entreguerras. Havia, contudo, uma importante diferença entre as atitudes de Franco e as de seu antecessor. Primo de Rivera reagira ao Barça de modo furioso porque era um caudilho clássico, o ditador medíocre que esmagava qualquer dissidente capaz de ameaçar seu frágil poder. Já para Franco a luta contra o Barça assumiu a forma de um combate pessoal de natureza épica. No nível político mais óbvio, ele tinha boas razões para punir os devotados torcedores do clube. A Catalunha havia sustentado por mais tempo a oposição ao golpe. Os habitantes de Barcelona, após anos de contenda industrial pré-guerra civil, tinham se tornado os Henry Ford das construção de barricadas. Embora partes da cidade recebessem Franco de braços abertos, muitos de seus moradores desenvolveram a guerra urbana com um apetite que nem Che Guevara conseguiria igualar. Franco cobrou um preço por essa resistência. Quando a cidade caiu, ele mandou matar um sem-número dos seus oponentes e os enterrou numa cova coletiva no morro Montjuic, onde futuramente se construiria o estádio olímpico.
Mas havia outra razão, igualmente importante, para o ódio que Franco devotava ao Barça. O Generalíssimo acompanhava obsessivamente o esporte e, de modo mais específico, o rival do Barça, o Real Madrid. Era capaz de citar de cabeça as escalações do Real de décadas anteriores e mandava anunciar que descansava em seu palácio acompanhando o jogo da semana pela televisão. (Não por coincidência, a TV estatal reservava ao Real Madrid , em suas transmissões semanais, um espaço muito maior que o de qualquer outro time). Quando assitia aos jogos, ele até arriscava um palpite sobre os resultados.
Franco levou sua vingança pessoal contra o Barça às últimas consequências. Manuel Vasquez Montalbán escreveu: "As tropas de ocupação de Franco entraram na cidade. A quarta organização a ser expurgada, depois de comunistas, anarquistas e separatistas, era o FC Barcelona." No início dos três anos de revolta de Franco, a milícia fascista prendeu e executou o presidente do Barça, Josep Sunyol, de orientação esquerdista, quando ele passava de carro pelas colinas de Guadarrama em visita aos soldados catalães que defendiam Madri, cercada por tropas de direita. Quando os soldados de Franco realizaram um ataque final para conquistar a insubordinada Catalunha, bombardearam o prédio que abrigava os trófeus do clube. Depois demoliram as instalações do Barça, os franquistas tentaram destituir o clube de sua identidade. O regime insistiu em mudar o nome de "Footbal Club Barcelona" para "Club de Football Barcelona", não apenas uma particularidade estética, mas a tradução desse nome para o castelhano. Também insistiu em excluir a bandeira catalã do escudo do time. E isso foi somente o começo. Para supervisionar a transformação ideológica do clube, o regime impôs um novo presidente. Ele devia ser bem adequado para o cargo. Durante a guerra, fora capitão da "Divisão Antimarxista" da guarda civil. No Barça, ele mantinha cuidadosamente copiosas fichas policiais de todas as pessoas envolvidas com o clube, de modo a poder importunar e solapar quaisquer diretores que demonstrassem simpatias nacionalistas latentes.
Nos primeiros anos da era Franco, um evento se destaca nos livros de história. Em 1943, o Barça enfrentou o Real Madrid pelas semifinais da Copa Generalíssimo Franco. Momentos antes da partida, o diretor de segurança do Estado entrou no vestiário do Barcelona, uma cena cultuada em Barça, a magistral história do clube escrita pelo jornalista Jimmy Burn. Ele lembrou aos jogadores que muitos deles tinham acabado de retornar à Espanha, de seu exílio em tempo de guerra, graças a uma anistia que perdoava sua fuga. "Não esqueçam de que alguns de vocês só estão jogando pelo genorosidade de um regime que lhes perdoou a falta de patriotismo." Naquela época de repressão, não foi difícil entender o recado. O Barça perdeu por 11 X 1, uma das maiores derrotas da história do clube.
Esse foi o primeiro de muitos favores prestados pelo regime ao Real Madrid, que pareceu retribuir a afeição construindo o seu novo estádio na Avenida Generalíssimo Franco. Segundo alguns, o governo deu ao Real uma ajuda decisiva na contratação do melhor jogador dos anos 1950, o argentino Alfredo di Stefano, embora o Barça já tivesse feito um acordo com ele.
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