Fig. 1: Morfociclo Padrão com Jogos aos Domingos Adaptado de Tamarit, 2013.
Qual é a quantidade de esforço para as cadeias musculares dos membros inferiores durante o treinamento que eu programei? Qual é a qualidade desse trabalho? Após essa tarefa, qual o próximo treinamento posso desenvolver sem agravar a fadiga?
Com base nessas três questões quero levantar um debate sobre a gestão dos binômios esforço desempenho/esforço recuperação com você leitor.
No futebol e em qualquer outra atividade física desportiva, treinamos para melhorar a forma de adaptação. E, segundo a teoria e metodologia do treinamento desportivo, temos diferentes tipos de adaptação: - Fenômenos de adaptação morfológicos;
- Adaptações biopositivas e bionegativas;
- Sistemas de adaptação rápida e lenta;
- Adaptações específicas e não especifícas.
Neste caso específico, vamos nos ater no item 2, adaptações biopositivas e bionegativas. Segundo Weineck, 2005, p. 14:... se os estímulos forem apresentados qualitativa e quantitativamente de forma - observando-se a capacidade de receber carga de cada sistema biológico -, resulta uma melhora da capacidade de desempenho, pela formação de novas estruturas de suporte (adaptação biopositiva), mais propícias a um bom desempenho. Um excesso de estímulos, por outro lado, leva a uma adaptação bionegativa - também chamada de má adaptação - e apresenta uma exigência exagerada do sistema, com momento de prejuízo. Se não soubermos quantificar a dosagem do esforço que uma atividade terá sobre a musculatura exigida, poderemos causar uma adaptação bionegativa no jogador se, não dermos o tempo de descanso necessário para essa musculatura. Fig. 2: Supercompesação
Na figura acima podemos observar isso no sistema muscular (a) no sistema ligamentar e de sustentação (b) e após uma recuperação incompleta (c). Se isso não for respeitado, muito provavelmente os jogadores estarão trabalhando sempre em um processo aquém do que seriam capazes. Destarte, derrotas começam a surgir e o que se faz, aumentam as demandas físicas de trabalho.
Se estamos tratando do tema gestão dos binômios esforço desempenho/esforço recuperação, temos que comentar sobre o tempo, correto? Segundo Prigogine (2002, p. 21) "o reaparecimento do paradoxo tempo deve-se essencialmente a dois tipos de descobertas. O primeiro consiste na descoberta das estruturas de não equilíbrio, também chamadas de 'dissipativas'. (...)". A estrutura dissipativa só existe quando o sistema dissipa energia e permanece em interação com o mundo exterior, é isso que ocorre quando se pratica futebol. O sistema busca equilíbrio e as atividades que propomos causam desequilíbrios ao sistema (fadiga). Assim surge, outro fenômeno, o da auto-organização. De acordo com Morin (2013, p. 282-283) o fenômeno da auto-organização refere-se à aptidão de um sistema para criar novas estruturas e estabelecer um nível novo de ordem e organização, após sofrer perturbações aleatórias, de maneira que quanto mais complexos forem os comportamentos do sistema, mais ele manifestará capacidade para se adaptar em relação ao entorno.
Trabalhar o entorno, não é mudar de terreno, mas, ter a percepção de que, a movimentação dos jogadores da sua equipe e da equipe contrária como condicionantes da atuação individual do futebolista, pois, os princípios dinâmicos da tomada de decisão e de como esta surge da interação entre neurônios interconectados, se baseiam em modelos em que a decisão se associa a uma transição entre atratores, ou estados estáveis, da rede. Esta transição entre estados é induzida por "inputs" seletivos associados a um estímulo, que modifica a paisagem dos atratores do sistema, favorecendo a transição entre o atrator neutro e um atrator seletivo, associado a uma escolha categórica (MARTI ORTEGA apud POL, 2013, p. 25). E, esse processo desgasta mais do que apenas o aspecto físico.
Apoiados na figura 1, temos o Morfociclo Padrão da metodologia de treino Periodização Tática e nele, temos o Princípio da Alternância Horizontal em Especificidade que será fundamental para entender, em parte, a essência da Periodização Tática quanto a dimensão física, se diferenciando da lógica convencional. Vítor Frade (apud TAMARIT, 2013, p. 44), ... o esforço advém de você ter que contrair músculos, ter que se mover e, por tanto, como há três indicadores que caracterizam o modo de manifestação das contrações musculares e sendo diverso o modo em relação ao prolongamento de suas manifestações e a sua fadiga, então há que calibrar bem. É a garantia de extremar ou maximizar, diagnosticando assim, em um dia um desses indicadores, no outro dia esse não, e no outro, outro. Fig. 3: Contrações das cadeias musculares dominantes Adaptado de Guilherme Oliveira, 2010
Para Jorge Maciel (apud TAMARIT, 2013, p. 45) "a diferença dos regimes de desempenho envolvidos nos diferentes dias se faz levando em conta a fractalização das várias dimensões que compõe o jogar".
As contrações musculares se caracterizam por sua duração, velocidade e tensão. É sabido que durante todo exercício estas três interagem de maneira conjunta e sistemática, também sabemos que algumas aumentam sua dominância perante outras dependendo das ações (objetivos dos treinos de futebol) que se realizam (TAMARIT, 2013).
Jorge Maciel (apud TAMARIT, 2013, p. 46) faz um relato sobre esse princípio de treino, assim, "se trata de uma alternância horizontal por se referir a necessidade de variação dos contornos do jogar e da gestão dos binômios Esforço Desempenho e Esforço Recuperação, que devem ser verificados ao longo dos vários dias que compõe o Morfociclo."
Doravante, Frade (apud TAMARIT, 2013, p. 131) nos alerta para o estado de falência circunstancial do funcionamento de qualquer átomo ou de qualquer órgão é um estado de parabiose. Este é um processo que relata a união de elementos vivos. Neste caso, representa os estímulos qualitativos do treinamento e com o propósito de articulação que este fenômeno desencadeia, após a desestruturação gerada, faz emergir uma determinada engendração conforme o estímulo que a motivou. Se trata de um processo de auto-organização que concebe o organismo e suas partes constituintes como estruturas dissipativas susceptíveis para aspirarem níveis de complexidade crescentes. Em si, não se respeitando isso, ocorrerá a "paranecrose" (FRADE apud TAMARIT, 2013, p. 131) que é o fenômeno análogo do descrito na parabiose, pois seus efeitos, pela diferença qualitativa há nível de estímulo, pela não devida contemplação do tempo de recuperação, motiva a morte dos elementos vivos, e sua consequente perda de complexidade por parte do sistema.
Em suma, olhando para esse cenário de gestão dos binômios de esforço desempenho e esforço recuperação é importante entender que, após três dias depois da partida a equipe não está totalmente recuperada, desta forma, as atividades programadas devem ser pensadas para não agravar o processo de recuperação. Deve-se privilegiar contrações musculares com aumento significativo da tensão, mas sem esquecer de recuperar (muito descontínuo). Deve haver um grande número de contrações excêntricas (isso logicamente para aquele grupo de jogadores que jogou a maior parte do tempo da partida). Para os outros, isso será assunto para outro dia.
Boa semana!
Referências
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 15 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
PRIGOGINE, Ilya. As leis do caos. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
POL, Rafel. La Preparación Física en el fútbol. El processo de entrenamiento desde las ciencias de la complejidad. MC Sports, 2013.
TAMARIT, Xavier. Periodización Táctica VS Periodización Táctica: Vítor Frade aclara. MBF, 2013.
WEINECK, Jürgen. Biologia do Esporte. 7 ed. Barueri - SP: Manole, 2005.
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