Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

JOGO DE POSIÇÃO OU JOGO DE LOCALIZAÇÃO?

 O futebol é cada vez mais um xadrez; e no xadrez, se você perde a concentração por um segundo, está morto.

Sir Alex Ferguson          

 O jogo de futebol é sobre espaço, tempo e interações.

No começo só havia o caos, e o futebol não tinha forma. Mas, desde os primórdios existia a noção que a organização dos jogadores no espaço de jogo fazia uma grande diferença. Jonathan Wilson em seu livro "A Pirâmide Invertida" nos traz muitos exemplos. O mais marcante para mim, o relato do primeiro jogo entre seleções, disputado por Inglaterra e Escócia. Onde os escoceses utilizaram a forma de unidade (fizeram uso da valorização do passe). E isso, é a gênese do jogo de posição. 

Martí Perarnau em sua obra "Pep Guardiola: a evolução", relata que em 1952 Ivan Sharpe já utilizava o termo "jogo de posição". Novamente, jamais fomos modernos!

Numa definição "rasa" o jogo de posição é identificado quando os jogadores ocupam posições específicas no campo de jogo, para tentar criar superioridades (numéricas, qualitativa, posicional e cinética), através de passes e com a criação de formas geométricas (triângulos e losangos), com o intuito de progredir com a bola em direção ao gol adversário.  

Recentemente estive observando os treinamentos das categorias de base do Club Athletico Paranaense e, em conversas com Rodrigo Chipp (Rodrigo Vicenzi Casarin) conversamos sobre esse assunto. Esse termo (jogo de localização) cunhado por Juan Manuel Lillo (popularmente conhecido por Juanma Lillo) atual auxiliar de Pep Guardiola no Manchester City e reconhecido mundialmente por se encarregar do tratamento intelectual, didático e prático do jogo de posição, propôs essa nova nomenclatura. 

Perguntas de Juanma Lillo escancaram essa discussão: pode-se estar bem posicionado e mal situado? Ou ao contrário, bem situado e mal posicionado? Claro que sim. Se buscarmos auxílio do dicionário veremos que, a palavra posição é sinônimo de postura. E o termo situação vem de sítio ou lugar. Destarte, o jogador pode ter uma postura (posição) ideal, mas em um lugar inadequado. Ou num lugar ideal, mas uma postura inadequada. Segundo Lillo, por esta razão, posição e situação não definem com precisão esse modelo de jogo. A palavra que relaciona esses dois termos com uma intencionalidade tática é localização. 

Para muitos pode parecer apenas uma variante acadêmica, mas não. Como Rodrigo Chipp relata, não se trata apenas de uma suposta superioridade numérica em alguma região do campo, ou seja, não se trata de posicionar por posicionar, da mesma forma não se trata de passar a bola por passar, de movimentar por movimentar, trata-se de estar bem posicionado, no tempo certo, no espaço certo e na hora oportuna. É dar sentido para todos os movimentos sem mecanizar. Ou seja, devolver o jogo de futebol aos jogadores que vão interagir com os companheiros e os adversários. Mas, para isto, devemos utilizar de alguns conceitos:

  1. Simetria de Sistema (ou seja, não haver mais jogadores de um lado do que de outro), mas com assimetrias verticais e horizontais para criar rotas de passe;
  2. Amplitude, pois o campo precisa ser aberto para criar espaços e definir por dentro;
  3. Profundidade, para buscar a ruptura decisiva por trás da última linha defensiva;
  4. Desmarques de apoio para para ir garantindo que a equipe siga avançando no campo de jogo com passes curtos e com jogadores recebendo por trás de cada linha defensiva ou do defensor que o marca individualmente;
  5. Posse de bola para desequilibrar o adversário;
  6. Vício por superioridades; e
  7. Pressão pós perda (Counter-pressing) quando perder a bola. 

O jogo de futebol é um jogo de localização, de percepção de distâncias (próximo/intermédio/longe) que estamos dos nossos companheiros/adversários e alvos/objetivos e de interação com os companheiros e adversários.

Você concorda/discorda leitor?

Boa semana!

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

RONDO: REDUZIR SEM EMPOBRECER


A bola vai às posições, e não as posições vão até a bola. 
Juanma Lillo

Jamais fomos modernos! Essa frase se encaixa muito bem no tema de hoje. O rondo se origina do nosso tão utilizado "bobinho", que nada mais é, que uma prática deliberada do "caos", brincadeira de bola com os pés. São brincadeiras que surgiram na rua (pedagogia da "rua") e foram adaptadas na pedagogia do esporte.  Desta forma, o rondo nada mais é do que um neologismo no futebol. O que é normal com o avanço das ciências no esporte, principalmente no futebol e na sociedade atual de forma geral.

Porém, qual é a definição de rondo? O que os rondos desenvolvem nos jogadores/equipe? Sem essas respostas corremos o risco de cair no verbalismo.

O rondo é uma tarefa de treinamento onde um grupo em superioridade numérica tenta manter a posse da bola contra um grupo em inferioridade numérica. Os formatos podem ser, circulares, retangulares, hexagonais, entre outros. Os jogadores tem locais predeterminados ao invés de se moverem pelo campo de jogo. O que podem levar aos jogadores ocuparem espaços de certa maneira relacionadas a situações reais de jogo. Já, alguns formatos/variações de rondo envolvem movimentos fora do seu típico espaço de jogo.

Os rondos desenvolvem nos jogadores/equipe as tomadas de decisão; técnica mobilidade e agilidade; trabalho em equipe e entendimento coletivo; resolução de problemas, criatividade e competitividade.

Não é mais novidade que o jogo possui uma "integridade inquebrável", destarte, busca-se formas de treinar que respeitem esse processo de jogo, conseguindo um "reduzir sem empobrecer", que nos levará a um simplificação pretendida. E o rondo se encaixa nessa questão.

A relevância prática disto pode ser entendida pela presença do jogo dentro do processo de treinamento em futebol (Rondo). E isto, ocorrerá por uma redução sem empobrecimento do jogo formal enquanto objetos fractais do mesmo (MACIEL, 2011). Pois, o jogo de futebol pode ser entendido como um sistema caótico com organização fractal. No meio do caos aparente é possível sustentar regularidades organizacionais, isto é, modelar e padronizar uma dada forma de jogar (OLIVEIRA et al., 2007). Brito (2003) afirma que, dentro de um modelo de jogo, existem vários princípios para serem trabalhados durante os treinos. O referido autor relata que, os princípios de jogo são linhas orientadoras básicas que coordenam as atitudes e comportamentos táticos dos jogadores quer no momento ofensivo, quer no momento defensivo, bem como nas suas transições. Como bem relata Maciel apud Tamarit (2013), é graças à redução sem empobrecimento que se asseguram as dominâncias desejadas para cada uma das unidades de treinamento. Uma redução que sendo qualitativa, uma vez que se reporta a complexidade de um jogar, também é quantitativa, já que a configuração dos exercícios (Rondo) de treinamento e o modo como o jogar é vivenciado (sem perda de Especificidade), requer que o treinador manipule e articule com parcimônia as seguintes variáveis: espaço, número de jogadores e tempo. Ou seja, reduzir sem empobrecer é sustentar essa redução na articulação de sentido com o todo. Corroborando com os autores, podemos entender um fractal como uma parte regular de um sistema caótico que, pela sua estrutura e funcionalidade, consegue representar o todo, independentemente da escala considerada. Se estilhaçarmos um sistema caótico em subsistemas, podemos neles encontrar, qualquer que seja a escala, uma auto-semelhança com o todo. Desta forma, os autores defendem ser possível emprestar uma organização fractal a todo o processo de treinamento, para obter uma auto-semelhança, tanto ao nível dos padrões de comportamento como da produção do processo, nas suas diferentes escalas de manifestação (SOARES, 2009).

Devemos impor uma inversão no binômio Volume - Intensidade, a Intensidade deve ser quem dita o ritmo das sessões de treinamento. O Volume, é o somatório de frações de máxima intensidade (Volume de Qualidade). A recuperação aqui faz parte integrante do treino. Recuperar entre os exercícios (jogos) e unidades de treino. Para que os jogadores estejam aptos a exercitar frações máximas de intensidade de acordo com a forma de jogar da equipe.  
 
Não há nada como ver a equipe que treinamos jogar bem. Vencer é importante, claro. Mas jogando bem é melhor ainda, utilizando habilidades técnicas, comportamentos táticos, intensidade física e aspectos psicológicos utilizados nos treinamentos. O rondo conquistou os profissionais do futebol. Como muitas tendências de sucesso, eles encontraram o seu lugar, e os treinadores com visão de futuro incorporaram os princípios por trás deles (frações de máximas intensidades) e os levaram para um nível mais elevado.  

O mais importante no futebol é perceber o futebol.

Boa semana!

Referências

BRITO, J. Documento de apoio à disciplina de Opção II – Futebol, UTAD, Vila Real. Não Publicado, 2003.

MACIEL, J. Não o deixes matar o bom futebol e quem o joga. Pelo Futebol Adentro não é perda de tempo! Portugal: Chiado, 2011.

OLIVEIRA, B. F. M. et al. Mourinho: por qué tantas victorias? Espanha: MCSports, 2007.

SOARES, P. Transições: uma instantaneidade suportada pelo “equilíbrio” ...a representatividade da fluidez que o “jogar” deve manifestar. Monografia de Licenciatura. Não Publicado. Porto: 2009.

TAMARIT, X. Periodización Táctica vs Periodización Táctica. Espanha: MBF, 2013.