Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

LIMITES DO EXERCÍCIO NO CALOR

 


Começou a vigésima segunda Copa do Mundo FIFA 2022. Desta vez ela será disputada pela primeira vez no Oriente Média. Onde o clima é predominantemente árido e semiárido, localizam-se nessa área grandes desertos. Em novembro no país a temperatura média será em torno dos 27º C e 30º C.

Na biologia, diferencia-se, no que diz respeito à temperatura corporal, entre os animais de sangue quente (homotérmicos) e os de sangue frio (pecilotérmicos). Os homotérmicos possuem uma temperatura corporal relativamente independente das temperaturas do meio ambiente. 

Durante situações de sobrecarga, por exemplo, em temperaturas altas e/ou durante atividades físicas, ocorre no corpo um aumento da produção de calor, que é compensado principalmente pelo mecanismo de perda de calor da evaporação ou pela vasodilatação periférica (WEINECK, 2005).

É inegável que o exercício aumenta as demandas no sistema cardiovascular. Somando-se a isso a necessidade de regular a temperatura corporal durante o exercício no calor, o sistema cardiovascular pode ficar sobrecarregado. Nesse cenário, o sistema cardiovascular precisa continuar levando o sangue não apenas até os músculos que estão trabalhando, mas também até a pele, de onde o calor gerado nos músculos pode ser transferido para o ambiente (KENNEY, WILMORE & COSTILL, 2013).

Em temperaturas extremamente altas e/ou durante o exercício físico esportivo, observa-se perdas de fluido, por meio da sudorese, principalmente à custa do plasma. Por isso, quando há um alto déficit de líquido, não ocorre apenas uma crescente limitação da capacidade termorregulatória, cada vez há menos água disponível para fins de evaporação, mas também ocorrem alterações no metabolismo e nas reservas de água e eletrólitos, o que acarreta uma progressiva limitação da capacidade de desempenho físico/desportivo (WEINECK, 2005).

Segundo o portal da CNN Brasil, 73,76% dos jogadores convocados para atuarem na Copa do Catar atuam na Europa (Mais de 70% dos atletas convocados para a Copa de 2022 jogam na Europa (cnnbrasil.com.br). Isso nos mostra que, a grande maioria dos atletas pratica o futebol em temperaturas muito menores do que em Doha na sua grande maioria do tempo. 

Enquanto está realizando um exercício intenso (como uma partida da Copa do Mundo) em condições quentes, o corpo pode perder mais de 1 L/h/m² de superfície corporal. Isso significa que, durante um esforço intenso em um dia quente e úmido (nível elevado de estresse térmico), um indivíduo de tamanho corporal médio (50 a 75 Kg) pode perder, por hora, cerca de 1,6 a 2,0 L de suor, ou 2,5 a 3,2% do peso corporal. A produção prolongada de um grande volume de suor diminui o volume sanguíneo. Isso limita o volume de sangue que retorna ao coração, aumentando a frequência cardíaca e diminuindo o débito cardíaco, o que, por sua vez, diminui o potencial de desempenho, particularmente no caso de resistência (KENNEY, WILMORE & COSTILL, 2013).

Foto 1: Jogadores da Inglaterra se refrescando em ventiladores. 
Fonte: Twitter

Dentre as limitações que podem acontecer com o exercício no calor estão:
  • Cãibras pelo calor;
  • Exaustão pelo calor.
O melhor e mais simples método para a reposição completa das perdas de água determinadas pela sudorese é a determinação de quantidade necessária de líquido correspondente à perda de peso corporal (aferição do peso corporal antes da partida, intervalo e ao término da partida). Também devem ser orientados e incentivados a evitar a perda de peso excessiva (>2%); ou seja, devem repor suas perdas de suor ou prevenir a desidratação, mas não devem consumir líquidos em excesso, a ponto de ganhar peso durante a competição. 

Boa semana!

Referências

WEINECK, Jürgen. Biologia do esporte. Barueri, SP: Manole, 2005.

KENNEY, L.; WILMORE, D; COSTILL, D. Fisiologia do esporte e do exercício. 5 ed. Barueri, SP: Manole, 2013.

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

O PERÍODO DE TRANSIÇÃO NO FUTEBOL (OFF-SEASON)



Ontem tivemos a última rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol. Hoje todos os clubes estão oficialmente em férias. Esse período que compreende o final da temporada e o início da próxima pré-temporada (pre-season) do ano seguinte, é denominado período de transição (off-season), segundo a teoria e metodologia do treinamento desportivo. 

Esse período é amparado pela Lei 6.354/76 no seu artigo 25 que diz:

Art. 25. O atleta terá direito a um período de férias anuais remuneradas de trinta (30) dias, que coincidirá com o recesso obrigatório das atividades de futebol. 

Parágrafo único. Durante os dez (10) dias seguintes aos recesso é proibida a participação do atleta em qualquer competição com ingressos pagos.

Entre as tarefas básicas do período de transição, estão o descanso completo para recuperação do potencial gasto durante as cargas de treinamento e das competições do ano anterior e a manutenção de um nível de preparo que garanta desempenho ótimo do futebolista no macrociclo seguinte. Atenção especial deve ser dada à completa recuperação física e, principalmente psicológica (PLATONOV, 2008).

A literatura expõem que a duração do período de transição oscila, geralmente, de três (3) a quatro (4) até seis (6) a oito (8) semanas e depende do calendário de cada equipe (PLATONOV, 2008). No Brasil costumam perdurar entre quatro (4) e cinco (5) semanas. 

É do conhecimento de todos que, os atletas de futebol chegam ao final da temporada bem cansados (sendo o Brasil um país com dimensões continentais isso contribui e muito), mas, por outro lado, também é do conhecimento de quem exerce alguma função no futebol e meio acadêmico/científico que, longos períodos sem treinamentos acarretam perdas aptidão física dos jogadores. O conhecido Princípio do Reversibilidade.

No princípio da desadaptação, ao que parece pode existir uma relação proporcional entre o período de tempo de interrupção dos treinos e a real perda dos ajustes fisiológicos adquiridos anteriormente (BOMPA, 2002). 

Os autores citados acima reportam declínios em algumas variáveis fisiológicas dos futebolistas:
  • VO2máx;
  • Velocidade Linear (sprint);
  • Velocidade com Mudança de Direção (CoD);
  • Queda da Potência Muscular. 
Isso indica que, as capacidades de resistência, força e velocidade são afetadas diretamente. 

Em contrapartida, outras evidências (experiência prática) nos mostram que durante o período de transição essa queda de desempenho não é tão acentuada assim.

Mas, como o nome sugere esse é um período de férias, não podemos exigir que os jogadores pratiquem atividades de alta intensidade durante esse período, porém, existem responsabilidades a serem cumpridas. Uma grande indulgência consigo em relação ao álcool é prejudicial ainda que durante o período de transição. O regime atlético correto também envolve uma dieta adequada. O ganho de peso maior que dois (2) a quatro (4) quilos é indesejado (BOMPA, 2002). 

Na prática, são utilizados modelos diferentes para esse período de transição. O que sugerimos é uma combinação de métodos de descanso ativos com passivo, com cargas não-específicas, que permitem garantir a manutenção dos componentes básicos do preparo. Com duração entre 50 e 60 minutos, com prática de ciclismo e/ou natação, força funcional (com o próprio peso corporal e/ou alguns equipamentos como elásticos, kettlebell, etc. e exercícios de mobilidade/flexibilidade). 

O ideal será elaborar um programa baseado em uma análise criteriosa, levando em conta dados  como: idade do jogador; tempo de prática na modalidade, histórico de lesão, funções táticas, entre outros) e que evitemos o overtraining.

O principal objetivo é que aprendamos com base nos erros do passado e evitemos a repetição deles!

Boa semana!

Referências

PLATONOV, Vladimir N. Tratado geral de treinamento desportivo. São Paulo: Phorte, 2008.

BOMPA, Tudor O. Periodização: teoria e metodologia do treinamento. São Paulo: Porte, 2002.

BRASIL, Diário Oficial da União - Lei Nº 6.354 Seção 1 - 3/9/1976, Página 11687 (Publicação Original) Coleção de Leis do Brasil - 1976, Página 25 Vol. 5 (Publicação Original).

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

CAPACIDADE ALÁTICA NO JOGADOR DE FUTEBOL

Fig. 1: Analisador de Lactato Portátil

Um fator de suma importância que oferece suporte para as atividades em alta velocidade (sprints) é o fornecimento de energia muscular. 

Fig. 2: Sistemas Energéticos

Conforme a figura 2, a velocidade máxima do jogador de futebol depende muito do tipo e da quantidade de reserva de energia da sua musculatura de trabalho (pernas), tanto quanto da sua possível velocidade de mobilização. Tanto que, é nítido e notório que, a velocidade máxima diminui com o aumento da duração da corrida, já que diferentes combustíveis possibilitam diferentes taxas de fluxo de energia (energia liberada por unidade de tempo) (WEINECK, 2000).

Por se tratar de uma atividade física intermitente (intervalado) realizada por meio de exercícios de intensidade variada, o futebol apresenta um componente lático importante. A aferição do lactato no sangue tem sido um parâmetro metabólico frequentemente utilizado para quantificar a intensidade do esforço realizado pelo jogador, em virtude da característica anaeróbia a fonte de energia da fase lática é muita exigida. Para Bangsbo et al. (2007), os jogadores de futebol de elite têm alto nível de exigência aeróbia ao longo de um jogo e extensa demanda anaeróbia durante períodos de uma partida, levando à importantes mudanças metabólicas que podem contribuir para o desenvolvimento de fadiga observada durante e no final de um jogo. O rendimento do atleta de futebol está relacionado com a sua capacidade de tolerar elevadas taxas de reposição de ATP em um determinado período de tempo, por isso, é importante uma quantificação objetiva do desempenho anaeróbio.  O lactato, de acordo com McArdle (2003), não deve ser encarado como um produto de desgaste metabólico, e sim como uma fonte de energia que se acumula em virtude do exercício físico intenso, sendo este importante indicador de intensidade durante o jogo devido a sua variação de concentração sanguínea.

O ácido lático é produzido pelo organismo o dia todo, e não apenas quando praticamos exercícios físicos. Durante o transporte de oxigênio para as células musculares pelos glóbulos vermelhos, há produção dessa molécula como resíduo. Na circulação sanguínea, o ácido lático perde prótons, tornando-se uma molécula com carga negativa. Porém, ela pode se ligar a íons com carga positiva de outras substâncias, como o H+. Dessa forma, a molécula sofre uma mudança em sua estrutura, passando a se chamar lactato. É importante salientar que, na literatura, os termos lactato e ácido lático são frequentemente usados ​​de forma análoga, mas o lactato é estritamente uma base fraca, enquanto o ácido lático é o seu ácido correspondente. 

O aumento da produção e concentração de ácido lático após uma situação de hipóxia (sem a presença de oxigênio) é na verdade uma situação de exceção e não de regra, visto que a sua produção ocorre em situações de normóxia (taxas de oxigênio normais). Isso significa que o ácido lático é apenas uma molécula intermediária e suas implicações são irrelevantes para o metabolismo humano.

Durante os treinos, é preciso que a glicose seja metabolizada a fim de gerar energia química. Na primeira fase desse ciclo, o piruvato é formado lentamente e, depois, entra nas células, produzindo uma maior quantidade de energia, o que é feito em um maior intervalo de tempo. No entanto, em atividades físicas que demandam grande contingente de energia (sprints), por exemplo, o corpo precisa optar por uma via que produza energia mais rapidamente. Nesse caso, o lactato é formado. É importante salientar que, nesse caso, o fornecimento de energia ocorre sem a presença de oxigênio (metabolismo anaeróbico lático), visto que o suprimento de oxigênio nem sempre é o suficiente para finalizar as atividades físicas. O lactato se torna energia e desaparece. No entanto, o ácido H+ está presente na corrente sanguínea. O bicarbonato de sódio se une a esse íon, a fim de transformá-lo em água e gás carbônico. Em certas situações, o estoque de bicarbonato de sódio termina, deixando ácidos livres, o que pode gerar uma hiperacidez no meio extracelular, causando dor e desconforto durante ou logo após o exercício. Em alguns casos, o incômodo é tão grande que é preciso interromper a atividade física.

O fato de jogadores, mesmo no fim da partida, ainda poderem realizar performances de velocidade, de força rápida e de aceleração, relaciona-se com o ATP adquirido, em curto espaço de tempo, pelas reservas de creatina fosfato que foram ressintetizadas (sintetizar novamente). 

Jogadores que produzem pouco lactato em performance de sprints curtos demonstram alta capacidade alática ou, então, capacidade de performance de sprint. Destarte, o nível de capacidade de performance alática para a organização do treinamento em futebol tem um significado que não pode ser subestimado. 

Boa semana!

Referências

BANGSBO J, IAIA FM, KRUSTRUP, P. Metabolic response and fatigue in soccer. International Journal of Sports and Physiological Performance, 2(2):111-27, 2007.

MCARDLE, W.; KATCH, F.I.; KATCH, V.L; Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e Desempenho Humano. 5ª ed. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 2003.

WEINECK, J. Futebol total: o treinamento físico no futebol. Guarulhos, SP: Phorte, 2000.