Abordagem de Ensino Baseada no Jogo

domingo, 24 de abril de 2011

O QUE NECESSITA TER PARA SER TREINADOR DO FC BARCELONA?


Toda esta postagem é citação de SORIANO (2010).

Segundo SORIANO (2010)," no verão de 2003, a nova Diretoria do FC Barcelona tinha um desafio. Contratar o treinador da equipe principal. No final, sobre a mesa ficaram três candidatos: Ronald Koeman, Gus Hiddink e Frank Rijkaard. Os três cumpriam, de formas distintas, os requisitos que tínhamos decidido que o futuro treinador deveria ter. Rijkaard era, dos três, o que tinha menos experiência e menos êxitos. Mas a seu favor estava o fato de ser o único disposto a vir com as condições de salário que o clube podia se permitir e tinha disponibilidade imediata, sem nenhuma condição. Rijkaard era defensor do estilo de jogo que pretendíamos para o Barça, e seu caráter encaixava plenamente com o que buscavámos: capacidade de gestão de pessoas, vontade, compromisso... e grande experiência como jogador de elite". 

"No final da temporada 2006/2007, depois que o time fechou a campanha com um fiasco inesperado, tentamos mudar seu comportamento sem ter de recrutar um novo líder. Não funcionou e, no final da temporada seguinte,começamos a avaliar a necessidade de mudar o treinador ao terminar o ano".

"A análise sobre o tipo de liderança que requeria o time. Necessitávamos de um líder de estilo mais direto. O time tinha talento e qualidades suficientes, mas deveria recuperar a capacidade de se esforçar, a cultura de trabalho que havia perdido, faltava um coach que voltasse a motivá-los".

"Em primeiro estágio, avaliou-se um número relativamente grande de candidatos, sobre os quais se especulou bastante na imprensa (Mourinho, Valverde, Laudrup, Blanc, Guardiola...). Mas a lista foi ficando reduzida a dois nomes: José Mourinho e Josep Guardiola. Ambos tinham grandes virtudes e parecia que se situavam em extremos opostos de um linha imaginária. Em um extremo, um treinador experiente e com êxito, de caráter forte e fama de polêmico. No outro, uma pessoa de grande talento, conhecedora absoluta do clube, mas sem experiência relevante como treinador. De Guardiola, valorizava-se também seu alto valor como ativo do clube e seu possível percurso de liderança. O vice-presidente da área de futebol, Marc Ingla, pegou as ideias de Bergiristain e de outras pessoas do clube e transformou-as em um documento de nove tópicos,com os critérios que deveriam nos ajudar a tomar a decisão mais correta, acima da intuição e do consenso que, pouco a pouco, ia se desenhando a favor da opção de Guardiola".

"O documento era o seguinte:
NOVO TREINADOR DO FC BARCELONA

1) Respeitar o modelo de gestão esportiva e o papel da Secretaria Técnica
| Acompanhamento dos técnicos do time principal durante a temporada;
| Coordenação com o futebol-base local e global;
| Contratações e planejamento. Renovações, demissões, etc.
- Processo interativo validado com o treinador e o corpo técnico desde dezembro-janeiro de cada temporada;
- O treinador também pode fazer propostas e vetos. A Secretaria Técnica tem a última palavra e o poder de decisão final;
| A secretaria Técnica e a Diretoria não atuam como treinador nem têm influência nas escalações nem em como se deve enfrentar cada partida;

2) Estilo de Jogo
| Equilíbrio contínuo entre o jogo atrativo (o mais atrativo e espetacular) e a eficiência;
| 1-4-3-3 como base, mas com as variantes necessárias;
| Controle e gestão das partidas - máxima atenção e concentração;
| Construir sobre a herança e conceitos de jogo de Frank Rijkaard;

3) Valores a fomentar no time principal - alguns novos
| Trabalho, trabalho e trabalho;
| Continuar fomentando as divisões inferiores
- Sinal de identidade do Clube; garantia de padrão e estilo de jogo; fator de coesão do vestiário;
| Time
- Promover a solidariedade, a combinação, a circulação, a mobilidade, a generosidade...
- ... versus  "supervirtuosismo" pela pouca eficiência e o que gera ao redor
- Os craques e individualidades a serviço da equipe
| Manter a concentração, sempre
- Distanciar-se do ruído diário e concentrar-se no essencial da competição;
| Detalhes: às vezes o diabo está nos detalhes; é preciso cuidar deles (por exemplo, as permissões)

4) Treinamentos e RENDIMENTO: "Deve-se jogar como se treina"
| Dar máxima importância a cada treino;
| O treinador deve gerir de perto todas as atividades que afetam diretamente o rendimento dos jogadores e do time 
- Trabalho tático de jogo de campo e estratégia;
- Preparação física coletiva e trabalho físico e de prevenção individualizado;
- Saúde dos jogadores. Influência dos médicos no treino - evitar lesões;
- Alimentação e descanso;
| Mais ênfase no trabalho físico, intensidade nunca é demais, novo valor do Clube
- O futebol cada vez mais competitivo e físico. O FCB é número 1 em encontrar talento... mas cada vez mais deveremos ter também jogadores com melhores condições físicas; 
| Ênfase no trabalho antes e depois da partida   
- Análise prévia do rival (vídeo, soluções táticas diferentes, etc.);
- O dia seguinte - erros, acertos e aprendizado;
| Convocatórias e minutas - "justiça esportiva";
- Se o trabalho diário é bom em todas as atividades (trabalho tático, estratégia, preparação física, descanso, etc.), deve pesar mais que outros aspectos (status, hierarquias, etc.);
| Outras considerações sobre os treinamentos
- Cada vez mais "fechados"  - profissionalização contínua;
- Mais treinamentos no Miniestadi e na Ciutat Esportiva;
- Prolongar as jornadas (mais descanso, mais comidas controladas, etc.);

5) Gestão de vestiário ativa
| Código Interno - deve-se aplicar com o melhor critério e boa mão 
- É interno e, portanto, não se pode explicar como se aplica;
- Um regime policial tampouco é o melhor modelo;
| Permissões -  em caso de dúvida, o treinador deve validá-las sempre com a Secretaria Técnica;
| Modelo de capitães
- Modelo meritocrático - promover liderança e influência real sobre o grupo;
- Gestão de craques;

6) Outras responsabilidades e compromissos com o Clube a serem geridos
| Meios de comunicação
- O treinador é uma das imagens permanentes e semanais do Clube;
- É preciso ser prudente, sempre;
- Respeito aos rivais, árbitros e outras instituições em geral - jogo limpo;
- Não superutilizar os meios e criar falsas polêmicas - concentrar-se nos aspectos relevantes do jogo e do momento do time;
- Jogadores
- Zona Mista - os jogadores devem aparecer depois da partida, nos momentos de máxima audiência;
- As entrevistas coletivas dos jogadores devem ser respeitadas;
| Marketing - compromissos do Clube e individuais; buscar o equilíbrio;
| Área social;

7) Ter experiência
| Experiência acumulada em futebol de elite e internacional - como jogador e treinador;
| Qualificações pessoais elevadas em caso de falta de experiência acumulada;

8) Apoio ao bom governo do Clube
| Quanto mais informação explícita e formal, melhor;
- Plano semanal de treinamentos individuais; assistência à Zona Mista; permissões; métricas de estado físico e de saúde dos jogadores; se for necessário, um "livro de cada jogador";
| Reuniões de coordenação interna com cadência regular - fomento do trabalho em equipe e melhoria contínua;
- Do corpo técnico, preparadores físicos e médicos. O primeiro treinador decide a frequência;
- Do vice-presidente esportivo, secretário técnico e primeiro treinador: quinzenal;
- Ter pulso e identificar as necessidades da equipe principal;
| A Diretoria não influi nas decisões técnicas - nunca!
| Excetuam-se os aspectos de estratégias global do Clube;

9) Outros aspectos a valorizar no novo treinador
| Conhecimento da liga espanhola - reduzir a fase de aprendizagem durante o primeiro ano;
| Conhecimento do Clube e seu ambiente - reduzir a fase de aprendizagem do Clube;
| Experiência internacional".

"Ingla e Bergiristain foram a Lisboa para se encontrar com José Mourinho. O roteiro da entrevista foi o documento de trabalho a partir do qual se queria obter as respostas que ajudariam a determinar a escolha. A entrevista com Josep Guardiola se realizou de forma simétrica, semanas mais tarde, com a folha dos nove pontos na frente, apesar de Bergiristain conversar regularmente com ele ao longo da temporada. Johan Cruyff, que já tinha recomendado Frank Rijkaard em 2003, também pensava que Guardiola era uma boa opção".

O resto da história, todos nós já conhecemos. 

Referência

SORIANO, Ferran. A bola não entra por acaso: estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol. São Paulo: Larousse do Brasil, 2010.

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